Sociedade
Pandemia e populismos marcam discursos do 25 de Abril em Leiria
Sessão solene teve transmissão em directo nas redes sociais com representantes de todos os partidos, excepto o PAN
“Como estaríamos a lidar com a situação de emergência sanitária, económica e social sem aquilo que habitualmente designamos como as conquistas de Abril?” – a frase do presidente da Assembleia Municipal de Leiria, António Sequeira, é um bom exemplo de como a pandemia serviu aos membros dos vários partidos políticos para realizarem uma leitura histórica e, ao mesmo tempo, focada na actualidade, durante a sessão solene evocativa dos 47 anos do 25 de Abril, que decorreu esta manhã no Teatro Miguel Franco, em Leiria, com transmissão em directo nas redes sociais.
Uma cerimónia encerrada pelo presidente da Câmara Municipal de Leiria, Gonçalo Lopes, e com a presença de todos os partidos com representação na Assembleia Municipal de Leiria, a que só faltou o PAN, por indisponibilidade.
No discurso de abertura, António Sequeira destacou “as virtualidades” do poder local, “a imprescindibilidade” do serviço nacional de saúde e o “conforto” da integração europeia, por oposição ao “orgulhosamente sós” do período anterior à revolução de 1974.
“Os nossos autarcas estão nesta emergência a assumir o genuíno espírito de Abril”, declarou o presidente da Assembleia Municipal, eleito pelo Partido Socialista, antes de manifestar a sua “homenagem e gratidão” aos profissionais da saúde pelo papel desempenhado no combate à Covid-19.
António Sequeira referiu-se ao “vírus da corrupção” que espreita as fragilidades da democracia “para a corroer”, mas lembrou que “o discurso populista pretende ligar a corrupção ao regime democrático”, tal como sucedeu na Primeira República, em Portugal, esforço que, concluiu, não pode ser legitimado, porque “a sequela foram 48 anos de ditadura”.
Em representação do PCP, Joana Cartaxo frisou que este é o momento para “afirmar o poder local”, objectivo que “exige que se lhe reconheçam as condições para o seu exercício” e “os meios indispensáveis para a sua autonomia”, desde logo, com recursos adequados às competências que são transferidas da administração central para as autarquias locais, além das regiões administrativas, que “continuam por cumprir”.
Joana Cartaxo referiu-se aos “projectos reaccionários e antidemocráticos” que hoje se assumem e apontou, por outro lado, que se vive uma crise “com um inimigo invisível”, destacando a necessidade de combater e expurgar da sociedade portuguesas todas as manifestações de injustiça, desigualdade e discriminação.
Antes de repudiar a precariedade, os baixos salários e o ataque aos serviços públicos e do Estado, a deputada do PCP considerou, ainda, que os trabalhadores e as pessoas mais vulneráveis devem ser defendidos dos impactos económicos e sociais provocados pela pandemia de Covid-19.
Pelo Bloco de Esquerda, Manuel Azenha sustentou a importância da Constituição – “um dos maiores legados do 25 de Abril” – nos tempos que correm, em que, disse, se assiste “a um crescimento desenfreado da extrema direita alicerçado num populismo fácil”.
Empenhado em “defender intransigentemente o Estado Social” e “o funcionamento dos serviços públicos”, porque, na perspectiva do eleito do Bloco de Esquerda, só estes instrumentos têm permitido uma “resposta eficaz” à pandemia, Manuel Azenha notou a obrigação de proteger os direitos dos trabalhadores e de lutar contra a precariedade do emprego, antes de concluir que “Abril é o exemplo que nos dá força para vencer a crise pandémica”.
“Só com políticas de esquerda alicerçadas nos valores de Abril” será possível encarar “os tempos difíceis que se avizinham”, acredita.
Logo a seguir, Fábio Joaquim deu voz ao CDS-PP para dizer que se impõe “uma reflexão profunda sobre o percurso percorrido” desde a revolução de 1974.
“Graças ao 25 de Abril e ao 25 de Novembro vivemos hoje em liberdade”, disse, mas “apenas 10 por cento dos portugueses acreditam viver numa democracia plena”.
“A liberdade e o 25 de Abril não têm donos, a liberdade não tem cor”, referiu o eleito do CDS-PP, para quem “a liberdade não está consolidada” e importa resolver temas como a liberdade de escolha na Educação, a remuneração digna, a meritocracia, a Justiça e a participação no jogo democrático.
“De que serve a liberdade se forem apenas alguns a ditá-la?”, questionou.
João Cunha, do PSD, afirmou que a Constituição é “um reduto seguro” que “tem permitido travar” os “aventureirismos à direita e à esquerda”, mas, por outro lado, considerou que “Abril está por cumprir”.
Num extenso diagnóstico político, social e económico da situação portuguesa e do poder local, João Cunha declarou que a Justiça se mostra “incapaz” de corresponder aos anseios da população e sinalizou os “novos catálogos dos racismos de pacotilha”.
Preocupado com uma descentralização “envolta em indefinições” e com uma reforma autárquica “paralisada”, João Cunha disse também que as formas de participação por independentes “continuam tolhidas e indefinidas”.
Para o representante do PSD, são necessárias reformas que possibilitem “virar a agulha” e o caminho passa por uma “cidadania responsável e actuante”. E, no dia que comemora a conquista da democracia, sugeriu penalizar nos serviços públicos aqueles que não exercem o voto.
Pelo PS, Acácio Sousa referiu-se à existência de “práticas políticas condenáveis” mas frisando que isso “não acontece apenas em democracia”.
Condenando o “apelo exacerbado” de “ordem justicialista”, argumentou que “os modos enviesados de olhar para a política” se afastam combatendo “os desvios”.
Acácio Sousa manifestou-se ainda preocupado com as “ondas de desinformação” e apontou a importância para a democracia de uma informação “séria e transparente”.
Já as ideias extremas “devem ser combatidas por antecipação com prática exemplar”, por exemplo, na execução das “políticas públicas”, num exercício em que “importa incentivar a participação dos cidadãos”.
Coube ao presidente do Município de Leiria, Goncalo Lopes, encerrar a sessão, numa intervenção em que chamou a atenção para a situação da pandemia da Covid-19, circunstância em que “celebrar Abril assume significado ainda mais profundo”, porque “tal como há 47 anos a arma mais poderosa que temos é o espírito de união”.
“A pandemia que enfrentamos demonstrou de forma cabal que só com um serviço nacional de saúde forte poderemos enfrentar o presente e o futuro”, declarou, agradecendo a “disponibilidade e resiliência” dos profissionais da saúde.
Gonçalo Lopes, eleito pelo PS, aproveitou ainda para frisar que no exercício da cidadania as possibilidades de participação vão hoje “muito além do exercício de voto” que o 25 de Abril de 74 permitiu, para concluir que “cada um de nós pode fazer a diferença”.
“Abril não é colheita, Abril é semente”, finalizou.