Viver

Parem as rotativas!

14 jan 2016 00:00

Cada vez menos jornais, concorrência da internet e redes sociais, fim do suporte em papel e ausência de um modelo de negócio. A imprensa, considerada o quarto poder e garante da democracia, sofre às mãos do quinto poder e de uma sociedade desinteressada

Jacinto Silva Duro

Entre 2007 e finais de 2014, o País ficou com menos 1218 jornalistas. A este número, acrescem mais cerca de 200 que ficaram sem emprego no final de 2015. “Em 2016, vai ser ainda pior”, alerta o jornalista Paulo Querido, num texto publicado na sua newsletter Hoje.li.

“A imprensa regional também terá menos títulos em 2016”, adianta. A imprensa é apelidada de quarto poder, servindo de garante perante os poderes legislativo, executivo e judicial, cimentando a democracia, à medida que, tal como um cão de guarda, protege o público dos excessos e comportamentos ditatoriais, tornando público aquilo que as elites programam e executam, muitas vezes, contra o bem-comum e a res publica...

Ou melhor, era assim que, antigamente, a imprensa era vista. Actualmente, o quarto poder não só tem de lutar contra o desinteresse e dormência generalizada do público em relação “aos assuntos sérios” e “à política”, como descobriu que tem um novo concorrente: o quinto poder.

Referimo-nos à internet e novos media, que, potencialmente, podem dar voz ao mais insignificante dos mortais, ao mesmo tempo que a abafam com uma overdose de informação. Tudo conspira para que a imprensa livre, autónoma e do doa a quem doer do século XIX e início do século XX já não exista.

Em Portugal, país onde o público já é pouco dado a ler, soube-se há cerca de um mês que os jornais i e SOL iriam desaparecer para dar lugar a um novo projecto. Como consequência, 70% dos funcionários e jornalistas serão despedidos e haverá menos um jornal no panorama nacional. Dias depois, o jornal Público revelava que iria despedir vários jornalistas e acabar com a sua revista de fim-de-semana.

Perante este cenário, que futuro tem o jornalismo em Portugal? E será que a democracia e pluralismo ficam prejudicados com menos jornais? O investigador Pedro Jerónimo, autor do livro Ciberjornalismo de Proximidade, entende que a pluralidade fica beliscada com a redução do número de órgãos de comunicação.

“A pluralidade de conteúdos investigados, contextualizados e sobretudo confirmados, é fundamental para ajudar os cidadãos a exercerem o poder que está na base da democracia. Com menos jornais e sobretudo menos jornalistas, a probabilidade de termos cada vez mais conteúdos tendenciosos e parciais, aumenta.”

Conclui o raciocínio citando Thomas Jefferson: “se pudesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não vacilaria um instante em preferir o último.” “A democracia fica sempre prejudicada com menos pluralismo. A questão é saber se muitos jornais é muito pluralismo”, afirma Paulo Agostinho. O editor da Lusofonia na Agência Lusa e docente do Instituto Politécnico de Leiria, enfatiza: “os produtos editoriais são todos demasiado iguais” dando menos atenção às histórias e à investigação, “ficando os projectos nas mãos das fontes organizadas e das agências”.

A similitude é também a pecha apontada por Querido, especialmente, quando a internet esmagou as distâncias geográficas: “na internet, não precisamos de seis jornais a dizerem-nos 95% do mesmo. O que precisamos é que quatro ou cinco se diferenciem”.

Também o filósofo Miguel Real aponta a questão da repetição. “Os jornais nacionais dizem todos o mesmo, com uma ou outra excepção. Tanto faz comprar o Público, o DN ou o JN.

Trazem as mesmas notícias… apenas há um ou outro artigo que pode valer o jornal. Depois, as televisões repetem as notícias que estavam nos jornais. Isto não satisfaz um cidadão do século XXI e percebo que a maior parte dos jovens deixe de ler jornais.”

Já o director do semanário Região de Leiria e membro da Direcção da Associação Portuguesa de Imprensa, Francisco Rebelo dos Santos, afirma que a sociedade portuguesa tem de decidir o que quer da sua imprensa.

“Não há uma democracia forte sem uma imprensa forte”, diz, sublinhando que, se vive um momento de mudança, contradições e que toda a imprensa em geral vive “um momento de desafios”.

O desafio do digital
O onlineé um dos grandes obstáculos que se colocam aos órgãos de comunicação. O ser humano é um animal de hábitos, que foge de tudo o que lhe pareça demasiado trabalhoso. Hoje, para boa parte da população que convive com a realidade digital, a internet é o Google e as redes sociais são apenas o Facebook.

Há um estreitamento da realidade e da quantidade de fontes consultadas e isto resulta em fenómenos curiosos no processo de comunicação. Por exemplo, “a verdade” é, empiricamente, o que a rede de “amigos” da rede social publicam e os blogues e páginas que vivem do sensacionalismo passaram a ser “fontes fidedignas”.

Actualmente, o próprio leitor reporta eventos e cria conteúdos, numa tentativa de jornalismo do cidadão. Comenta títulos sem ler os textos até ao fim e é facilmente influenciável por opiniões massificadas e boatos.

Veja-se este exemplo: "Em resposta às novas regras do Facebook, aqui declaro que os meus direitos de autor estão ligados a todos os meus dados pessoais, ilustrações, desenhos, pinturas, fotografias e vídeos, etc. Para uso comercial de algum destes conteúdos será sempre necessário o meu consentimento escrito".

A mensagem continua, sugerindo aos utilizadores copiar e colar o texto nos seus murais, o que os colocará sob protecção das leis de direitos de autor. Caso contrário, avisa, o utilizador estará a autorizar o uso de informação e fotografias.

Este é um aviso falso que, todos os anos, em Janeiro, é ressuscitado pelas redes sociais, quase sempre escrito em péssimo português e citando leis e normas com designações absurdas. Seria de esperar que, após alguns momentos de reflexão, o utilizador da rede social desvalorizasse e ignorasse esta publicação. Mas não é o que acontece e o conteúdo é partilhado ad infinitum.

Este ano, coube à imprensa o papel de fiel esclarecedor dos factos, como titulou a revista Visão: "as suas fotos são as suas fotos. Não abdicou dos direitos de autor."

Papel vs. digital
Outro dos desafios que se colocam à imprensa escrita é o fim da utilização de papel. Até há uns anos, um jornal ou revista tinham suporte físico, quantificável… actualmente, com o advento da internet, podemos ler um artigo no telemóvel, tablet, computador ou mesmo na televisão.

O papel estará condenado ou ressuscitará como produto premium? O problema não é já de agora, havendo várias soluções experimentadas pela imprensa nacional: da venda pontual de uma notícia, à subscrição de assinaturas e ao paywall. Nenhuma, até hoje, como referem os investigadores Helder Bastos e Fernando Zamith, se revelou uma panaceia.

Mas a situação é ainda mais complexa quando se trata de captar os anunciantes, verdadeiro suporte económico de qualquer projecto editorial. É a simbiose e equilíbrio entre estes e as redacções que permite à imprensa permanecer viva, num cenário onde não há subsídios estatais e vale a lei do mercado.

No caso da imprensa local, Paulo Agostinho defende a criação de uma plataforma associativa de órgãos de comunicação para conseguir valores publicitários mais elevados. “A publicidade online deve ser dirigida, mas, a maior parte dos sites de jornais, não fazem segmentação dos perfis de utilizador. E o mundo online é demasiado global para se interessar em concreto por um projecto local.”

A esta questão acresce o modo tradicional como os departamentos comerciais dos jornais trabalham, assentes em pedidos “de favorzinhos de anúncio” que o vendedor solicita ao anunciante. “Este acha que está a fazer um favor ao jornal e não a celebrar um negócio, no quadro da sua própria estratégia de comunicação.”

A adopção de técnicas de marketing relacional por parte das empresas é, para Francisco Santos, outro assunto a ter em conta. “O mercado fala directamente com os seus clientes, sem filtros, sem contraditório nem contra-argumentação, através de sites, redes sociais, canais de televisão ou revistas.”

O responsável refere ainda o impacto das agências de comunicação, gabinetes de imprensa e agências de clipping. “Qualquer empresa com volume tem uma equipa profissionalizada de comunicação, enquanto os jornais estão a ser obrigados a reduzir as redacções, o que se traduz em dificuldades, por exemplo, no jornalismo de investigação ou no confronto de opiniões.”

Jornalismo de proximidade
Com este esmagar e aproximar de papéis e com o problema da repetição de conteúdos em meia-dúzia de órgãos diferentes, será o jornalismo de proximidade, como o praticado pelos jornais regionais, o futuro? “O futuro está por descobrir e perceber.

E os media têm o desafio de manter capacidade de atracção dos consumidores. Isto além dos Táfixe ou dos Tábonito que misturam conteúdos noticiosos, publicitários e de lazer”, refere Paulo Agostinho, referindo mais um desafio para o jornalismo de proximidade: tornar-se útil e relevante para competir com quadros de identificação social e cultural que são mais amplos do que o território onde vivemos.

“Somos de Leiria mas lemos mais notícias sobre o Donald Trump do que sobre a nossa Junta de Freguesia. É este desafio permanente que o jornalismo de proximidade tem de fazer: recompensar em utilidade e interesse o seu consumo por parte dos clientes.”

Para Pedro Jerónimo, o exercício do jornalismo de proximidade faz cada vez mais sentido. “Nos últimos anos o conceito de hiperlocal tem ganhado preponderância quando se fala de media e jornalismo. Se, por um lado, temos espaços como o Facebook, onde podemos estar próximos de amigos e familiares dispersos geograficamente, por outro, nesses espaços misturam- se todo o tipo de conteúdos. Das notícias ao entretenimento, das hiperligações para ciberjornais aos vídeos virais. Cabe ao jornalismo tornar interessante, aquilo que é relevante. E isso é cada vez mais motivado pelas relações de proximidade, geográficas ou afectivas que o público tem com aquilo que é notícia.”

Ciberjornalismo de proximidade
Vínculo à terra que deixámos

O online pode ser uma ameaça, mas também uma oportunidade, especialmente, quando se fala de meios regionais. A imprensa nacional com raras excepções, geralmente não sai da sua zona de conforto que são as grandes áreas metropolitanas, o que abre caminho, num País fortemente marcado pela emigração.

Segundo o Observatório da Emigração, Portugal é hoje o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção da população residente. O número de emigrantes portugueses supera os dois milhões, o que significa que mais de 20% dos portugueses vive fora do País em que nasceu.

Entre 2010 e 2013, o número de saídas cresceu mais de 50%e e, entre 2013 e 2014, a emigração estabilizou em torno das 110 mil pessoas por ano. É preciso recuar a 1973 para se encontrar valores para a emigração com esta ordem de grandeza. A emigração pode ser uma fonte de novos leitores, sobretudo através das plataformas digitais.

Pedro Jerónimo, que fez um retrato do ciberjornalismo de proximidade me Portugal conclui que, se no caso da imprensa regional o vínculo com os emigrantes se perdeu, devido aos cortes no apoio que o Estado dava na expedição de jornais para o estrangeiro, com a era digital pode ser retomado.

Para conquistar este mercado são necessárias notícias sociais, culturais ou que promovam relações de afectos. “É necessário regressar ao conceito de comunidades com os leitores, promovendo interactividade e acções de promoção que criem um envolvimento que dá notoriedade, visibilidade e retorno comercial”, diz Paulo Agostinho. O docente do IPL conclui dizendo que um jornal regional pode ser mais do que um jornal. “Pode ser o vínculo à terra que deixámos.”

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