Sociedade
Passar os dias a servir cafés enquanto os amigos vão à praia e aos festivais
Devem os jovens trabalhar nas férias? Que motivos os levam a passar o Verão a apanhar fruta ou a trabalhar em cafés e restaurantes? Que razões levam muitos outros a não o fazer? Fomos ouvir uns e outros. Aqui ficam as suas histórias
Na semana em que começa a trabalhar às oito sai da cama às sete e meia da manhã. Espera-a um dia longo num café na Praia do Pedrógão. Atender os clientes, ajudar na cozinha, assegurar algumas limpezas, há que fazer de tudo um pouco. Por esta altura, Carolina Amaro, 17 anos, já está habituada e o trabalho não a assusta. Até porque foi ela quem quis trabalhar nas férias de Verão.
“Quero ter a minha independência, dinheiro para comprar as minhas coisas e não depender sempre da minha mãe”, explica a jovem de Monte Redondo, que há uns meses foi à praia e perguntou em vários cafés se iam precisar de pessoal para o Verão. “Vim uns dias à experiência e acabei por ficar”, conta.
Carolina está a trabalhar desde Julho e hoje deverá ser o último dia. Mas “talvez volte mais uma semana” antes do início das aulas. Vai agora para o 12º ano, na área de Humanidades. A ideia é seguir para o ensino superior, na área do Turismo, para ser hospedeira de bordo. Para já, os dias são passados entre cafés e bolos, seja entre as oito e as cinco – às vezes estica-se um bocadito a hora de saída – seja entre a uma e as 22 horas, “ou até o café fechar, lá para as duas da manhã”. Depende do movimento, que o Verão passa a correr e há que aproveitar.
A jovem arrendou um quarto que partilha com outra rapariga. E isso ajuda-a a “ter uma noção completamente diferente” da realidade. É que, com o dinheiro que ganha (à volta de 600 euros por mês, mais as horas que ganha à parte) tem de pagar o alojamento e outras coisas de que precise. O facto de estar praticamente dois meses sem ir a casa também contribui para se sentir “muito mais independente”. “É importante trabalhar nas férias. Ganha-se responsabilidade. Ganharmos o nosso dinheiro em resultado do nosso esforço ajuda-nos a perceber quanto custa e quanto é preciso trabalhar se queremos alguma coisa”, refere Carolina Amaro. A jovem abdicou aliás de ter dias de folga para poder ganhar um pouco mais.
O dinheiro vai servir para começar a tirar a carta de condução e para os estudos. A jovem admite também “gastar um bocadinho” num miminho para si. No próximo ano tenciona “repetir a experiência” e defende que todos os jovens deviam trabalhar nas férias. Além do dinheiro que se ganha, fazem-se contactos e aprende-se a ser (mais) responsável.
Tencionava ir apanhar fruta, mas acabou a trabalhar num café na Batalha. Pedro Rosa, 18 anos, explica como aconteceu: o irmão, dois anos mais novo, é que devia ir para o estabelecimento, mas achou a tarefa difícil. A mãe, que conhece o proprietário, sugeriu a Pedro que fosse experimentar. Foi e ficou. Esteve a trabalhar desde 13 de Julho até ontem. Antes do início do ano lectivo ainda vai ter aulas e exame de condução e quer aproveitar uns dias para descansar.
O dia de Pedro Rosa começava às 10 ou ao meio-dia. A saída era à hora de fecho, por volta das 22 horas, mas houve ocasiões em que foi preciso ficar até à meia-noite ou uma da manhã, porque o movimento assim o ditou (o café situa-se perto do Mosteiro da Batalha). Também por isso, a hora de almoço era de grande azáfama. “Andamos sempre para a frente e para trás”, contou o jovem ao JORNAL DE LEIRIA. Apesar do “cansaço e das bolhas nos pés”, Pedro gostou da experiência e “recomendaria” a outros jovens. Ganha- se dinheiro, conhecem-se muitas pessoas novas, aprende-se ou reforça-se o sentido de responsabilidade, diz.
Por que decidiu trabalhar este Verão? “Já tinha planeado” que o faria, por estar consciente de que a ida para a Universidade – está inscrito em Engenharia Física no Técnico, em Lisboa, e em engenharia mecânica, para o caso de a média não lhe permitir entrar na primeira opção – implica despesas acrescidas. “Preciso de comprar várias coisas, como um computador e mobília para o apartamento, e também quero ter dinheiro para sair. Os meus pais não podem dar-me todo o dinheiro para isso”, diz Pedro Rosa, que confessa não ter sentido necessidade de trabalhar em anos anteriores.
Estima que conseguirá juntar 1500 euros, “o que é uma boa ajuda”. Mas para isso teve de abdicar de coisas que lhe dariam prazer. “Já tinha bilhete para o festival Sudoeste, a que gostaria de ir, e tive de o vender”, conta. Por outro lado, “os amigos estão todos na praia, convidam- me para ir e eu não posso porque estou a trabalhar. Toda a gente a partilhar essas experiências no Facebook e eu de fora”, diz Pedro. “Mas aprendo a ser responsável”. E tenciona repetir a experiência nas próximas férias de Verão? “Talvez. Mas se calhar não tanto tempo seguido. Eventualmente só durante o mês de Agosto”, diz.
Quer seguir Medicina Legal quando terminar o 12º ano, que inicia em Setembro na Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, na Gândara, Leiria, mas para já passa os dias entre pratos de marisco e de peixe grelhado. Francisco Caminho, 17 anos, está a trabalhar num restaurante da Praia da Vieira, naquele que é o seu primeiro emprego de Verão. “Fui eu quem quis vir. Sempre se ganha dinheiro, que é uma ajuda, e experiência”. Em Abril, o jovem foi à praia de propósito para procurar ocupação para as férias de Verão. Já tinha tentado no ano passado, mas foi tarde e não conseguiu.
Residente em Casal dos Claros, Leiria, na Praia da Vieira fica alojado em instalações facultadas pelo empregador, que partilha com outro jovem. Durante a semana, Francisco entra às 10:30 e sai às 23:30 ou 24 horas. Dois dias por semana, tem a tarde livre (tem de voltar a trabalhar ao jantar). Ao fim-desemana a hora de entrada é um pouco mais cedo. Começou no início de Julho e fica até 5 deste mês.
O jovem garante que o mais difícil nem é o cansaço físico, esse “desaparece durante a noite”, mas o facto de a rotina ser sempre igual. Por isso, é preciso sair de vez em quando, depois do fecho do estabelecimento, para ir beber um café com os colegas. “Houve uma semana em que não saí uma única vez e depois a meio da noite acordava, stressado com o trabalho. O colega de quarto disse-me que eu cheguei a dizer, a dormir, 'mesa para quantos? Sim, temos'”, conta.
Francisco Caminho entende que “é muito importante” que os jovens adquiram alguma experiência antes de entrarem no mercado de trabalho. “Sem isso, quando começamos a trabalhar estamos muito nabos, sem noção das coisas”. Acredita, por isso, que trabalhar nas férias “abre muito os horizontes” e recomenda aos jovens que o façam.
“Ajuda-nos a tornarmo-nos mais responsáveis, a cumprir horários”, entende. Além de permitir conhecer pessoas novas e até treinar o inglês ou o francês, quando se trabalha em estabelecimentos situados em zonas turísticas. O jovem vai ganhar no total “mais de 800 euros”, parte dos quais vai usar para comprar um computador novo. O resto guardará, “vai dar jeito para quando começar a tirar o código”.
Leia mais na edição impressa ou torne-se assinante para aceder à versão digital integral deste artigo.