Sociedade

Pedro Neto: “Portugal é sobretudo uma estação de serviço do tráfico humano”

9 nov 2017 00:00

O director executivo da Amnistia Internacional de Portugal admite já ter sido ameaçado, mas confessa que pode lutar pelos Direitos Humanos sem ser preso.

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O que tem feito Portugal em matéria de Direitos Humanos?
Se olharmos para aquilo que é a realidade do mundo hoje, Portugal é um farol no que diz respeito a Direitos Humanos e até poderia chamar- -lhe um oásis. Sei que, aqui, por fazer o meu trabalho, à partida, não serei preso. Se compararmos com alguns países em que o desenvolvimento teima em não acontecer e em que a liberdade de intervenção cívica e política é muito mais limitada, Portugal é um campeão de Direitos Humanos, embora eu também já tenha sido ameaçado anonimamente, através de e-mails e das redes sociais. No entanto, se virmos a uma escala mais pequena, temos problemas de Direitos Humanos. Temos problemas de direitos de habitação, de segurança em bairros sociais; temos problemas de racismo, em que o estrangeiro, os refugiados ou os muçulmanos começam a ser catalogados erroneamente. Ter uma religião, neste caso a muçulmana, não faz de uma pessoa terrorista. Temos violência policial, com episódios infelizes. Vamos tendo ideologias dos extremos que se tentam infiltrar nos corpos de segurança pública ou em outras organizações e até na política para fazerem valer as suas ideologias de extrema. Isso é um problema, embora ainda não tenha tido impactos muito graves, mas já há focos e pessoas que são agredidas por causa de ideologias extremadas. Este é um problema que já se verifica na Europa.

Com a globalização e a tecnologia que nos aproxima uns dos outros, como é que ainda ainda existem jovens que olham para o negro ou cigano como alguém inferior? O racismo em Portugal vai sendo estudado, mas ainda necessitamos de muitos dados. Por exemplo, quando falamos de violência policial por razões de racismo não o podemos afirmar em boa verdade, porque não temos estatísticas desagregadas sobre os episódios de intervenção das forças policiais para perceber o que motivou essa força. No que diz respeito aos jovens, as crianças e os jovens são cruéis entre eles. Os jovens são o reflexo da sociedade e têm essa natureza competitiva que também é promovida pelo nosso sistema de ensino. Mas depois há uma coisa que é transversal a todas as idades, que é o medo do desconhecido. Tendemos a não compreender tão bem aquele que é diferente. Por isso, tentamos catalogar tudo aquilo que é diferente da nossa norma. É de estranhar que nesta altura ainda se viva isto, mas ainda não há oportunidades iguais para mulheres e para homens, para negros e para brancos. Ainda não somos vistos pelo nosso valor e somos ainda muito catalogados pelo nosso género, orientação sexual, religião, etnia e origem. É uma sociedade que vive com medo. A sociedade está-se a tornar mais isolacionista e este tem sido um fenómeno crescente. Não é à toa que vivemos questões como a Catalunha, que quer a independência para se isolar do resto da Espanha; países da Europa a quererem fechar fronteiras quando vivemos uma altura em que deveríamos abrir portas, e a eleição de um Donald Trump nos Estados Unidos com estas bandeiras de discurso de fechamento, isolacionismo ou demonização daquele que é diferente ou estrangeiro. O fenómeno compreende-se, agora temos é que trabalhar sobre ele na educação para os Direitos Humanos, numa forma transversal com projectos, com intervenção na escola, com um currículo que seja cada vez mais aberto e que olhe mais para valores do que para indicadores quantitativos que medem o sucesso em torno das notas dos exames (são precisos esses meios de verificação), pois há valores que também têm de ter meios de verificação qualitativos e aí estão os Direitos Humanos. Vivemos numa sociedade que valoriza de mais os números. Os indicadores de sucesso são quase sempre quantitativos e temos que ir mais para o mundo social e qualitativo, para que a escola e a educação sejam ainda mais humanas.

Portugal escapa ao tráfico de pessoas?
Os elementos que tenho são baseados em estudos de outras organizações. Mas Portugal não escapa ao tráfico humano. Não consigo dizer em que escala isso acontece, mas creio que é maior do que aquela que julgamos. Portugal é sobretudo uma estação de serviço, um ponto de passagem quer da América Latina quer de África. Somos porta de entrada para o resto da Europa e isso é um dado preocupante. Estamos a falar de prostituição e trabalho escravo.

António Guterres foi eleito secretário-geral da ONU, este foi também um reconhecimento do papel de Portugal na defesa dos mais fracos?
Dos dois. É a escolha da própria pessoa, pelo seu valor e trabalho à frente do Alto Comissariado para as Nações Unidas, mas claro que também é um reconhecimento do nosso País, da forma como criamos consensos, trabalhamos a paz e participamos em missões de paz internacionais, embora por vezes o governo peque por demasiado silêncio em favor de interesses de negócios e financeiros. Por exemplo, na questão da Turquia, o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) tem sido de um silêncio aterrador, quando muitos países da União Europeia falam sobre o que está a acontecer. Claro que entendemos que Negócios Estrangeiros e diplomacia da Europa é em Bruxelas que se faz com a Frederica Mogeherini [chefe da diplomacia da União Europeia], mas os países também têm um papel importante a desempenhar.

Deveríamos ter uma voz mais activa?
Poderíamos e deveríamos ter uma voz mais activa ao nível do Governo. No caso da Turquia, especificamente, o Parlamento votou unanimemente a condenação do que se está a passar. O nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa é também uma pessoa bastante activa nesta questão e trabalha muito bem isto. Que isso seja também incentivo para o MNE fazer um trabalho mais activo porque está suportado pelos outros órgãos de soberania e também pela sociedade civil, neste caso a Amnistia Internacional e outras organizações. Penso que também foi por essa coragem que António Guterres, como português, foi eleito Secretário Geral das Nações Unidas, porque o mundo acredita que Portugal pode ser liderante nesse aspecto. É também nesse sentido que estamos na CPLP a trabalhar por Direitos Humanos e fazemos parte do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Que medidas considera urgentes serem tomadas a nível mundial?
Em primeiro lugar, o respeito, a protecção e defesa por todos os defensores humanos. Tantas pessoas sofrem fisicamente a liberdade pessoal por defenderem os Direitos Humanos. Há muito trabalho a fazer nas Nações Unidas, numa reforma da organização que seja fundamental para que não haja lugar a abusos. Mesmo esta questão do ambiente, começa a ser uma prioridade. As alterações climáticas não são uma coisa com que tenhamos de nos preocupar agora por causa do futuro. São uma coisa com que temos de nos preocupar agora por causa do presente. O século XXI será muito interessante por

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