Viver
Phase, arte de contemplar os sapatos
Há pouco mais de dez anos a banda de Leiria passou por um “arrumar de sapatos” circunstancial. Era para ser algo temporário mas o afastamento perdurou. Há duas semanas, foi anunciado o regresso daquela que, em 2000, foi apelidada de 'next big thing'
Não houve uma resolução de terminar os Phase. Apenas um afastamento que resultou num estado de animação suspensa que durou cerca de uma década.
Marcámos encontro com eles, já em modo estágio, numa esplanada em Leiria, concentradíssimos para o primeiro de apenas quatro ensaios marcados antes do concerto do regresso.
Está agendado para dia 26, no Omnichord dos Hospitais, no Beat Club, espaço a que já alguém chamou “La Hacienda de Leiria” (comparação alicerçada na história do pop britânico e da Factory Records).
“É pá! Não nos vão colocar perguntas complicadas, como perguntar por que nos chamamos Phase, pois não?”, chuta Filipe Rocha. “Ou qual o papel do David Fonseca no nosso percurso”, brinca Luís Mendes.
O baixista Nuno Filipe junta-se à brincadeira e recorda as tardes passadas com jornalistas que lhes faziam sempre as mesmas perguntas chavão. Na realidade, o que queremos saber é o que vão os Phase apresentar no espectáculo na La Hacienda… perdão, no Beat Club.
Ricardo Fiel, que vem de Lisboa, ainda não chegou, mas o quarteto, em formato terceto, explica tudo sobre a ceia natalícia planeada. “Vamos tocar da primeira à última música que fizemos juntos. Serão quase 20 anos de percurso. Serão uns Phase com uma nova roupagem. Os Phase para a malta com filhos. Podem levá-los, mas levem-lhes protecções para os ouvidos”, adverte Mendes, o vocalista.
Pragmático, Filipe Rocha recorda que passaram 15 anos desde o lançamento de 52 Minutes Of Your Time, primeiro – e único – CD da banda e que todos amadureceram enquanto músicos, em projectos paralelos. O baterista diz que os Phase, actualmente, só fazem sentido com essa carga e experiência.
“Vamos interpretar os temas de acordo com quem somos na actualidade. Não reproduziremos o que fizemos há 20 anos.” Mais do que um regresso, há coisas novas e já o pudemos constatar com a estreia, na semana passada, no site do JORNAL DE LEIRIA, do tema State of Mind.
E haverá mais novidades, como o possível lançamento, em 2016, de um single em vinil, com o tema, pela Omnichord Records. Será uma edição rara e quase de coleccionador.
Desengane-se quem pensa que Luís Mendes, Ricardo Fiel, Filipe Rocha e Nuno Filipe foram “apenas” os Phase. Em 2000, a banda de Leiria era apontada como “the next big thing”, da música portuguesa.
Assinaram por uma grande editora internacional, a Universal, coisa que, antes só tinha acontecido, uns anos antes, com uma banda obscura chamada Silence 4, também de Leiria. Gravaram nos Clarion Studios, Metway e Abbey Road, foi-lhes dada a oportunidade de escolherem Darren Allison, produtor de Divine Comedy e Spiritualised, para o CD 52 Minutes Of Your Time, onde tiveram a colaboração de Rachel Goswell, vocalista de Mojave 3 e de Slowdive, andaram em digressão nacional com Silence 4, e viram os seus videoclipes passar na televisão.
“Estávamos a tocar e a divertir-nos e, de repente, chegaram ao pé de nós a dizer que iríamos ser os 'próximos U2' e que íamos gravar para Inglaterra. E lá fomos. Chegámos a um país estranho, completamente 'abandonados' e disseram-nos: 'agora façam'. Tivemos um produtor que nos queria orientar para um sítio que não era o nosso”, conta o vocalista.
Não obstante, foram uma banda de sucesso embora de longevidade reduzida e o percurso pessoal posterior atesta essa carreira.
Nuno Filipe, tem um negócio de pedais de guitarra, acompanha David Fonseca, foi fundador de The Allstar Project, com Mendes, e de Born a Lion, e faz backline em todos os grandes eventos musicais nacionais.
Luís Mendes criou o projecto musical a solo Dr. Majick e participou em Born a Lion. Ricardo Fiel, hoje Chief Technology Officer, na multinacional Rupeal, integrou a banda de David Fonseca até este ano. Filipe Rocha é dj, dá aulas de música e faz parte de The Allstar Project, Sean Riley & The Slowriders e Lazyman.
A aventura dos Phase começou há mais de duas décadas, quando os quatro, com idades entre os 17 e 18 anos se juntaram para tocar temas inspirados no shoegazing – literalmente “contemplação dos sapatos”. Estilo de rock alternativo que surgiu no sul de Inglaterra no fim dos anos 80.
“Penso que foi em Novembro de 1994 que nos juntámos numa garagem, pela primeira vez, para tocar”, lembra Mendes. Ao fim de dez concertos, resolveram gravar uma cassete. Foi em 1998 e a demo foi baptizada como Dreams to Heaven. Um dos primeiros concertos da banda aconteceu na Stormzone, discoteca em Leiria, onde, frequentemente havia espectáculos com bandas da cidade.
Foi naquele espaço que os Kotzen Musik, de Rocha, fizeram a primeira parte de um concerto de Lulu Blind – sim, a banda de Rita Hot Pussy e de Tó Trips, antes de este formar os Dead Combo com Pedro Gonçalves.
Ainda antes de Silence 4 aparecerem, os Phase tornaram-se habitués na Stormzone e até fizeram a primeira parte dos Tédio Boys, a banda de Paulo Furtado, o lendário homem tigre.
Em 2000, lançaram o primeiro CD, depois de passarem pela colectânea On Leiria e, em 2005, deram o último concerto, mas a resolução de fazer uma paragem vinha já a crescer desde 2001.
“Foi na altura em que o Filipe Rocha saiu da banda. Toda a gente se agarrou a outros projectos”, conta Nuno Filipe. “Vivemos momentos muito intensos. Fizemos uma digressão com os Silence 4 e perdemos a conta aos concertos que demos.
Ao fim de seis anos de banda, estávamos muito saturados”, diz Filipe Rocha. “Saturados e desiludidos com o mundo da música”, adianta Luís Mendes. Admitem que se deixaram iludir com todas as ofertas que lhes foram feitas, afinal, eram apenas uns “putos”. “Acreditámos naquilo que as pessoas com mais 'bagagem' nos diziam. Hoje, seriamos mais cépticos”, refere o baterista.
Para piorar o cenário, o mundo da música encontrava- se em rápida transformação, devido às novas tecnologias e aparecimento da partilha maciça de ficheiros. Ter um CD já não bastava, porque já ninguém os comprava.
“De todas as vezes que chegávamos perto de alguém que nos dizia que tinha o nosso CD, diziam- nos que o tinham gravado. Havia carradas e carradas de gente que tinha o álbum, mas nós não vendemos muitos CD”, afirma o vocalista.
Uma banda de canções poderosas e “sujas”
O primeiro contacto que Carlos Matos, na época responsável pela página de música do suplemento cultural Viver, do JORNAL DE LEIRIA, teve com os Phase aconteceu em diferido. Primeiro conheceu os elementos da banda, quando eles estavam noutros colectivos.
Por exemplo, Nuno Filipe estava nos Kuspa e Filipe Rocha era o vocalista dos Kotzen Musik, onde tocava com outro músido de Leiria conhecido: Afonso Rodrigues (Sean Riley). “Os Kuspa tinha já algum andamento na cena punk e os Kotzen, que foram criados no mesmo dia dos Phase, estavam na cena do pop rock alternativo.
Lembro-me perfeitamente da primeira cassete deles. Queriam fazer shoegazing. Num tempo em que a internet não estava massificada, essa demo tornou-se viral no circuito de troca de gravações. Toda a gente a queria ter porque havia ali uma abordagem muito britânica de uma banda que fazia música em Leiria”, recorda.
O som do grupo era marcado por influências de Spiritualised ou Spacemen 3 e Matos assegura que os Phase eram, de entre as bandas de Leiria, um colectivo que se distinguia. “Nos anos 90, em termos de bandas e fazendo uma analogia futebolística, percebíamos que havia o 'distrital' e o 'campeonato nacional'”.
Os Phase jogavam, sem dúvida, na Primeira Liga. “Tinham predisposição para um som internacional.” “Eram muito jovens e viveram como se fossem super estrelas”, conta Carlos Matos, para quem a melhor fase e os melhores temas estão na compilação 4x4 (A)Tracção Total, um CD da Coimbra B, de Fausto Silva, editado em 1998.
Porquê? Porque são canções gravadas sem preocupação comercial e que demonstram a alma da banda. “São canções poderosas, 'sujas', verdadeiramente shoegaze, com muita distorção e efeitos nas guitarras. Acredito que, se o álbum 52 Minutes of Your Time, também tivesse estas características, teria potencialidade em termos internacionais. Não tendo, a música, embora cristalina e bem produzida, revelou-se demasiado comercial para os fãs de shoegaze e demasiado alternativa para agradar aos fãs da música comercial. Estava num limbo que os levou para uma terra de ninguém”, refere.