Sociedade
Quando o final da vida reserva o abandono numa cama de hospital
Nos últimos dois anos, 44 pessoas permaneceram, dias, semanas e até meses, internadas no Centro Hospitalar de Leiria após alta médica, porque ninguém as foi buscar. Os casos envolvem quase sempre idosos.
João foi internado no hospital de Leiria devido a um problema neurológico, que lhe deixou sequelas, ficando numa situação de dependência. Em meados de Outubro recebeu alta clínica, mas, passados três meses, continua hospitalizado. A irmã, a única familiar que lhe pode valer – o outro irmão está institucionalizado - alega não ter condições para cuidar dele, mas tem-se recusado a assinar o termo de aceitação, para que o idoso possa ser encaminhado para uma unidade de cuidados continuados.
Esse internamento seria custeado pelo próprio, uma vez que, segundo a avaliação da Segurança Social, o utente terá activos financeiros superiores a 100 mil euros e, como tal, não tem acesso a comparticipação. Só que essa solução implica o consentimento da família, o que ainda não se verificou.
A resolução do impasse deverá ser ditada pelo Ministério Público. Enquanto isso não acontece, João continuará a viver no hospital, ocupando uma cama que devia ser usada para situações de doença aguda e correndo, até, alguns riscos para a sua saúde, inerentes à permanência em ambiente hospitalar.
A história de João está longe de ser um caso isolado. Nos últimos dois anos, o Centro Hospitalar de Leiria (CHL), que abrange os hospitais de Leiria, Alcobaça e Pombal, registou 44 altas proteladas, ou seja, situações de pessoas que permaneceram hospitalizadas depois de clinicamente tratadas e que envolveram, quase sempre, idosos. Esses casos, totalizaram “935 dias” de internamento após alta.
Por seu lado, os hospitais de Caldas da Rainha e de Peniche contabilizaram, apenas no último semestre de 2016, 32 casos de protelamento de alta por razões sociais.
Neste momento, além do caso de João, o hospital de Leiria tem mais dois utentes em situação semelhante. Um dos casos, arrasta-se desde final de Setembro. O outro, há cerca de um mês.
Famílias alegam falta de condições
Alguns destes casos serão puro abandono, mas muitas das situações são justificadas pela “falta de disponibilidade” e de “condições” das famílias para cuidarem dessas pessoas. Esse é o argumento que Amélia Magalhães, directora do Serviço Social do CHL, ouve com mais frequência.
Segundo conta, as famílias alegam, frequentemente, que não têm condições para tratar dos seu entes devido a “falta de tempo, por motivos profissionais”, mas também por questões económicas, “com baixos salários e baixas reformas, que não permitem o recurso” a lares privados, dado que “é extremamente difícil” encontrar vaga em instituições sociais que tenham acordo com a Segurança Social”.
Por outro lado, frisa, as respostas de serviço domiciliário e de centro de dia, menos onerosas, “apesar do inestimável apoio que prestam, não são viáveis como solução sempre que a pessoa necessite de apoio durante a noite”.
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