Sociedade

Quarenta agentes da PSP da região Centro manifestam-se em Lisboa por melhores condições de trabalho

24 nov 2022 17:44

Salários têm de, obrigatoriamente, aumentar para atrair agentes

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"Agentes da polícia ganham quase tanto como o actual salário mínimo"
Elisabete Cruz

Cerca de quatro dezenas de agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) da região Centro rumaram esta tarde de autocarro a Lisboa a fim de participarem numa manifestação devido à “desmotivação” para apresentarem reivindicações diversas, entre elas melhores salários.

A Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) realiza hoje à tarde uma manifestação em Lisboa, em frente ao Parlamento, contra o arrastar dos problemas que afectam a PSP e os polícias e contra a “falta de vontade política do Governo para os resolver”.

O Sindicato Independente dos Agentes de Polícia já anunciou que se vai juntar à caminhada, que vai decorrer entre o Largo de Camões e a Assembleia da República.

A lista de exigências foi apresentada pelo dirigente sindical, Rui Gaspar.

Durante a viagem de autocarro, enquanto viam o jogo Portugal-Gana, do campeonato mundial de futebol, nos telemóveis ou ouviam o relato, as conversas intercalavam entre a equipa do treinador Fernando Santos e os problemas que existem na polícia e que, segundo estes polícias, tardam em ser resolvidos.

O vogal da ASPP e dirigente da zona Centro, Rui Gaspar, sublinhou que os salários têm de, obrigatoriamente, aumentar para atrair agentes para a PSP.

“No último curso, dos 1020 candidatos, só foram aprovados 643 e veremos se todos se apresentam. É necessário aumentar os vencimentos. Um polícia em início de carreira ganha cerca de 1030 euros limpos, incluindo o suplemento por turnos. Preocupa-me esta falta de candidatos”, afirmou este agente, que presta serviço em Leiria.

Recordando que, quando iniciou a carreira, há 23 anos, ganhava dois salários mínimos, Gaspar referiu que hoje, um polícia ganha quase tanto como o actual salário mínimo.

"Preocupa-me esta situação, porque temos cada vez menos pessoas na PSP. Se nada mudar arriscamo-nos a deixar de ter agentes”, alertou, ao recordar que os operacionais que se aposentam não são substituídos.

Rui Gaspar acrescentou que, quando um agente entra na profissão é colocado longe de casa, muitas vezes, em Lisboa, onde o “custo de vida é elevado” e, com o seu salário, “tem de pagar alojamento, deslocação e alimentação”.

Esse é o caso de um jovem de 23 anos, o agente mais novo na comitiva que incluía elementos de Coimbra, Leiria, Marinha Grande, Caldas da Rainha e Nazaré. Entrou para a PSP há dois anos e meio e foi colocado em Lisboa.

O ordenado ultrapassa pouco os mil euros limpos e ainda é necessário pagar alojamento, alimentação e as deslocações para visitar a família, a cerca de 130 quilómetros de Lisboa.

“Não estou arrependido, porque queria ser polícia, nem fui enganado, porque conhecia as condições, mas é preferível um jovem ter outro tipo de trabalho a ganhar o mesmo, com muito menos riscos e está em casa”, destacou durante a viagem para Lisboa.

Lembrando, precisamente, a responsabilidade e os riscos que a profissão exige, Rui Gaspar criticou o Governo “quando afirmou que está a dar o maior aumento que até hoje foi dado às polícias”.

“Esse aumento é igual a toda a função pública e está muito abaixo do nível da inflação. Temos perdido regalias nos últimos anos, como o sistema de saúde que era quase gratuito. Tudo é desmotivante e não atrai pessoas para a PSP”, reforçou.

O vogal da ASPP reivindica ainda melhorias nas condições de trabalho, nomeadamente ao nível da frota automóvel e de intervenções nas esquadras. “O comando de Leiria e a esquadra de Pombal, por exemplo, precisam de obras urgentes”, disse.

Outro agente adiantou à Lusa que “todos os dias” faz o seu melhor” e que os cidadãos não se podem queixar do empenho, mas reconheceu que não gosta “do que se está a passar na polícia”.

No mesmo sentido, outro elemento lamentou que a imagem da polícia esteja a ser degradada diariamente, porque “não há contraditório” e ninguém os defende, disse referindo-se a uma reportagem que mostra agentes no ativo que divulgam mensagens que incitam ao ódio, discriminação e violência nas redes sociais.

Por outro lado: “As pessoas deixaram de gostar de nós e veem-nos como aqueles que estão na caça à multa”, lamentou.

As conversas durante a viagem acabam por ir parar a diferentes experiências que sentem e que vivem no seu dia-a-dia.

Segundo um dos agentes, a falta de recursos humanos é transversal ao país e “os comandantes têm objetivos para cumprir e quando é preciso montar operações stop veem-se vários agentes”.

“Então não há polícia para proteger os cidadãos na rua, mas há para autuar os cidadãos, que até cumprem na sua maioria, para arrecadar dinheiro para o Governo?”, questionou um agente, ao afirmar que são os agentes que dão a cara perante a população.

Antes da paragem para esticar as pernas e comer umas sandes na área de serviço de Loures, a pré-aposentação era outro dos temas que ocupavam a atenção de alguns dos elementos.

“Exigem o mesmo a um jovem de 30 anos e a um agente de 56 anos. Não pode ser. Já não tem a mesma capacidade física e mental”, diziam.

Este agente considerou que quem está a sofrer com toda a situação da polícia são os cidadãos. “Não conseguimos estar perto delas quando precisam. Não temos gente para estar em todo o lado. E chegar uma hora depois junto de uma pessoa que sofreu uma agressão ou um roubo é até uma falta de humanismo”, criticou.

“Indignado” com o facto de a PSP só libertar os agentes para pré-aposentação a dois anos da reforma, o agente constatou o “envelhecimento” da classe. “Basta olhar para as pessoas que vão neste autocarro. A média de idades há de rondar os 45/50 anos. As pessoas estão velhas e cansadas e a violência é cada vez mais grave. É precisa uma dinâmica mais forte”, defendeu.

Outro elemento abordou a questão dos suicídios na polícia, que “tentam desvalorizar”.

Alguns apelam à “maioria silenciosa” – a sociedade – para se manifestar pela sua segurança.

“São os mais prejudicados com a falta de elementos por falta de atractividade. Não podemos chegar tarde às ocorrências, como acontece, mas não temos o dom da ubiquidade. Não queremos alertar a população, mas as coisas não estão bem servidas em termos de segurança”, referiu.