Sociedade

Quinta que pertenceu a reis tem estação de biodiversidade e vai ser santuário de aves

7 jul 2025 09:00

Localizada em Óbidos, a Quinta do Furadouro remonta, ao século XI e, segundo a lenda, foi refúgio do amor de Pedro e Inês. É hoje a sede da Altri Florestal, que aí dispõe de cerca de 50 hectares de floresta de conservação

Estação de biodiversidade está aberta à comunidade
Estação de biodiversidade está aberta à comunidade
Ricardo Graça
Ao longo do percurso pedestre existem oito painéis informativos com dados científicos sobre a diversidade biológica do local
Ao longo do percurso pedestre existem oito painéis informativos com dados científicos sobre a diversidade biológica do local
No laboratório  da Quinta do Furadouro desenvolvem-se soluções para fazer o controlo  biológico de pragas
No laboratório da Quinta do Furadouro desenvolvem-se soluções para fazer o controlo biológico de pragas
Maria Anabela Silva

Ao transpor o portão principal da quinta, há uma presença que sobressai: um cipreste plantado em 1966, cuja altura já ultrapassa o edificado. A depressão Martinho, que em Março atingiu o País e afectou fortemente a região Oeste, retirou-lhe a imponência de outros tempos, com o derrube de várias braças. Mas, mesmo assim, a sua presença continua a ser marcante no pátio ladeado pelas construções da Quinta do Furadouro, localizada em Óbidos e que, segundo a lenda, foi refúgio do amor de Pedro e Inês.

O espaço acolhe hoje a sede da Altri Florestal e, entre a produção de eucaliptos, tem uma área de conservação que serve de refúgio a dezenas de espécies de animais e de plantas, que podem ser conhecidas através de uma estação de biodiversidade, que se desenvolve entre a entrada da quinta e ao longo da Ribeira dos Rouxinóis.

O local vai integrar também a rede nacional de santuários para as aves, uma iniciativa da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves que visa criar uma malha de refúgio para que este tipo de animais possa descansar, alimentar-se e reproduzir-se.

“Fazia todo o sentido aderirmos à rede, já que a conservação de espécies é uma das valências da quinta”, afirma Pedro Serafim, engenheiro florestal da Altri, que serve de cicerone à visita à estação de biodiversidade da Quinta do Furadouro, formada por um percurso pedestre com oito painéis informativos, onde é possível consultar dados científicos sobre a diversidade biológica aí existente, com referências a espécies emblemáticas e “facilmente observáveis”.

Segundo aquele técnico, é dado “particular destaque” aos insectos e às plantas, que são a base para a conservação dos ecossistemas terrestres, nomeadamente, das florestas, mas as aves e os répteis também não são esquecidos.

Ao longo do percurso, Pedro Serafim chama a atenção para algumas espécies presentes no local, como a rã-de-focinho-pontiagudo, que está ameaçada, mas que tem uma população “muito interessante” na zona da ribeira do Rouxinol, ou a Anguilla Anquilia, espécie de enguia europeia, que segue depois para Rio Real até à Lagoa de Óbidos, desaguando no mar.

Entre as aves, apesar de dar nome à ribeira, “o rouxinol não é a mais comum”, diz o engenheiro, que aponta algumas das espécies com maior presença no local: Pisco-de-peito-ruivo, Tutinegra-de-barrete ou o tordo. “Em certas alturas do dia, podemos identificar umas 20 espécies”, assinala o engenheiro florestal, referindo ainda a presença na quinta de um casal de açor, que ocupa um ninho criado num dos eucaliptos mais antigos. “Todos os anos, o ninho tem ocupantes. Não sabemos se é sempre mesmo casal.”

Folhas para alimentar koalas do zoo

As origens da Quinta do Furadouro remontam, segundo informação disponível no site da Junta de Freguesia de Olho Marinho, ao século XI. Foi, depois, refúgio de D. Pedro I, que aí “terá permanecido durante longos períodos, dedicando-se, sobretudo, à caça”, nomeadamente de espécies de médio porte que “abundavam na região, como gamos, javalis e raposas”.

O espaço terá também sido usado para encontros amorosos entre D. Pedro e D. Inês de Castro. Ao longo dos séculos, a quinta passou pela posse de vários membros da família real e da nobreza, até que, em 1966, foi adquirida pela multinacional Store Enzo, detentora da Celbi, que agora é da Altri.

A quinta estende-se por cerca de 400 hectares, ocupados com a produção Serafimde eucalipto, mas também com áreas de conservação e preservação de espécies. “Temos 50 hectares de floresta de conservação”, avança Pedro Serafim, que destaca a presença de castanheiros, aveleiras, carvalhos e sobreiros.

No local, existe também uma parcela com várias espécies de eucaliptos criados em laboratório. É aí que está a ser desenvolvido um apiário modelo, para a produção de mel de eucalipto, e onde se testam várias formas de combate à vespa asiática.

É também aí que são colhidas folhas de eucalipto para “alimentar os koalas do zoo [Jardim Zoológico de Lisboa]”, revela Pedro Serafim, que nos conduz depois à última parte da visita: o centro de investigação, onde, por exemplo, são produzidas pragas que alimentam os principais parasitóides que afectam o eucalipto, fazendo “o controlo biológico” dessas pragas.

Outra das missões do laboratório é procurar desenvolver “os melhores exemplares” de eucaliptos, incluindo a reprodução de algumas espécies raras, explica Pedro Serafim, adiantando que estão também a aplicar essas técnicas ao medronheiro e a outras árvores e plantas existentes no território, algumas das quais se encontram ameaçadas, como é o caso da Drosophyllum lusitanicum. Segundo o engenheiro florestal, o objectivo é, a partir de sementes e de estacas recolhidas no terreno, criar novos exemplares para que sejam depois reintroduzidos no território.