Abertura
Sem-abrigo continuam vulneráveis e ainda há prostitutas a receber clientes
Técnicos preocupados com grupos de risco e eventual contágio pelo novo coronavírus
Porque precisam de dinheiro e não têm outra fonte de rendimento, algumas prostitutas em Leiria mantêm a actividade, no interior de habitações, apesar da ordem de isolamento decorrente do estado de emergência provocado pela Covid-19. O alerta é da associação Novo Olhar II através da técnica Patrícia Quintanilha, que fala de comportamentos com risco acrescido. “É um problema gravíssimo. Se continuam a trabalhar é porque existem clientes e para conseguirem clientes a oferta é sem preservativo”, avança ao JORNAL DE LEIRIA.
Na prostituição de rua, o acompanhamento à noite pela InPulsar está suspenso. Desde que o surto do novo coronavírus impôs distanciamento social, ninguém requisitou preservativos nem rastreio de doenças no gabinete da associação, de acordo com a directora-geral, Lisete Cordeiro.
Num momento em que a regra é ficar em casa, os sem-abrigo são outro grupo vulnerável. De acordo com a vereadora Ana Valentim, “caso se verifique essa necessidade”, o Município de Leiria vai “implementar uma estrutura de acolhimento a esta população”. As refeições, higiene e medicação estão a ser garantidas através do Centro de Acolhimento de Leiria e da associação InPulsar, que confirma a sinalização de 8 sem-abrigo, em Leiria, em edifícios devolutos, sem água nem luz, um deles numa tenda, mesmo depois da declaração de pandemia. E outros três alojados em apartamentos no âmbito do projecto Morada Certa, que se inspira no modelo Housing First. Já esta quinta-feira, 2 de Abril, pela manhã, a InPulsar identificou mais 3 pessoas em situação de sem-abrigo.
Na Marinha Grande, a Novo Olhar II identifica cinco sem-abrigo – para quatro já há solução, um permanece na rua – e 23 indivíduos que pernoitam em edifícios abandonados ou degradados.
Giros na Rua
As equipas da InPulsar já funcionavam como rede de suporte a sem-abrigo em Leiria, através do projecto Giros na Rua, que tem por objectivo a redução de riscos (também abrange arrumadores, prostitutas, toxicodependentes e alcoólicos). E mantém-se o apoio. Há menos saídas do gabinete na avenida Marquês de Pombal, que tem as portas abertas, mas a associação continua a garantir diariamente a entrega de refeições e bens básicos, além de ajudar na toma da medicação e na troca de seringas quando há consumo de substâncias psicoactivas injectáveis.
“Estamos a tentar sensibilizar as pessoas para tomarem as devidas precauções, para se isolarem. É uma situação que nos preocupa bastante”, explica Lisete Cordeiro, antes de partilhar alguns exemplos de união: uma tenda oferecida a quem vive debaixo da ponte ou alguém que acolhe temporariamente um amigo.
No Centro de Acolhimento de Leiria, as refeições são agora disponibilizadas em regime take away e os banhos obedecem a horários e marcação prévia.
De acordo com a vereadora Ana Valentim, o Município está “em articulação” com o coordenador da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, que “tem conhecimento” das medidas aplicadas no concelho de Leiria.
Porta Azul
Na Marinha Grande, o Porta Azul é um centro de apoio sócio-sanitário dirigido a contextos de toxicodependência e prostituição, mas não só. Funcionava todos os dias, com pequeno- almoço, almoço, lanche, atendimento social, psicológico e de enfermagem, entre outros serviços, agora abre uma vez por semana.
“Entra um de cada vez e tentamos que não se juntem à porta”, descreve Patrícia Quintanilha, da Novo Olhar II.
Os utentes que ali fazem a higiene recebem roupa lavada, comida e bens básicos, incluindo luvas, toalhetes, máscaras e desinfectante. E o cabaz também é entregue ao domicílio, todas as terças- feiras, por três técnicos da associação que se mantêm no terreno apesar da falta de material de protecção.
Há ainda uma linha telefónica de apoio – “que não pára” – e troca de seringas para consumidores de drogas por via intravenosa (no total, 42).
Tratar dependências
No Centro de Respostas Integradas (CRI) de Leiria, uma estrutura do SICAD – Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, sob tutela do Ministério da Saúde, o avanço da pandemia de Covid-19 e as restrições do estado de emergência dividem as equipas ao meio: metade nas instalações, metade em teletrabalho, com rotação ao fim de uma semana.
“Neste momento, o atendimento que fazemos é praticamente todo não presencial, através do telefone. E atendimento presencial só a utentes que vêm fazer o programa de metadona”, explica a coordenadora, Cristina Barroso. O objectivo é que se desloquem o mínimo de vezes ao serviço e levem mais medicação para ter em casa.
“Temos os telefones disponíveis, podem ligar durante este período e haverá sempre técnicos”, salienta a psicóloga. “Não podemos deixá-los e não o vamos fazer nesta altura, que é difícil para todos”.
A distância aumenta e o controlo diminui, o que, numa população “mais frágil”, pode colocar em causa os objectivos propostos, que passam pela abstinência, recuperação e estabilidade emocional. Cristina Barroso reconhece-o: “Creio que há um risco maior”.
No CRI de Leiria são seguidas 1.049 pessoas, das quais 579 em Leiria, 312 na Marinha Grande e 158 em Pombal.