Sociedade
Trabalhar depois dos 75 anos, com a motivação de sempre
Histórias de vida | Parar é palavra que se recusam a pôr em prática. Têm mais de 75 anos e continuam no activo, a exercer as suas profissões de sempre. O gosto pelo trabalho e pelo contacto com pessoas é o combustível que os alimenta
Já ultrapassaram os 75 anos, mas continuam no activo e nem querem ouvir falar em parar. É o caso de Maria de Lurdes Graça, a alma do restaurante Manjar do Marquês, de Joaquim João Pereira, advogado e provedor da Misericórdia da Marinha Grande, de Lima Bastos, médico dermatologista, de Olímpio Caseiro, presidente do Conselho de Administração da Vipex, de Joaquim Cunha, lojista em Leiria, e de Francisco Frazão, comerciante na Batalha.
Entre as principais motivações para se manterem no activo apontam o gosto pelo trabalho e pelo contacto com as pessoas. Admitem ainda que, quando se tem uma vida tão preenchida, é difícil parar, sobretudo, quando ainda há energia e sonhos por cumprir.
Lurdes Graça: A alma do Manjar do Marquês
Porte elegante, cabelo irrepreensivelmente apanhado, sorriso fácil e uma genica difícil de acompanhar. Maria de Lurdes Graça continua a ser, aos 87 anos, a alma do Manjar do Marquês, dividindo a gestão deste afamado restaurante de Pombal com o filho, Paulo Graça, tal como durante décadas fez com o marido, Evangelista Nunes da Graça: “Cada um com o seu pelouro”. O de Maria de Lurdes é a cozinha.
Acorda por volta das 6:30 horas e vê as notícias, porque gosta de “saber o que se passa no mundo”. Chega ao restaurante entre as 9 e as 9:30 horas, já com encomendas feitas, e fica até por volta das 23 horas, apenas com uma interrupção de uma ou duas horas, antes do jantar.
Uma pausa que começou a fazer depois de uma operação à coluna, há sete anos. “Tenho os ossos numa desgraça, mas ignoro as dores. Não me rendo”, afiança, contando que a família “já desistiu” de lhe pedir para parar.
“Às vezes, quando me sentem mais cansada, pedem-me para ir descansar, mas sem sucesso”, admite, confessando que nem mesmo o susto que apanhou há alguns anos com o coração – para esta quarta-feira tinha marcada a colocação do segundo pacemaker – a fez abrandar.
Até há pouco tempo, não tinha um único dia de descanso semanal e, nos únicos 15 dias que a casa fechava para férias, permanecia ao lado dos colaboradores, para as limpezas gerais.
Hoje, o restaurante encerra à quarta -feira e Maria de Lurdes respeita a pausa. Aproveita para passear ou almoçar fora com o filho ou com amigas. “Em casa é que não fico. Tenho de ver movimento. De falar e estar com pessoas”, conta.
É também o dia que aproveita para se dedicar aos bordados ou a escrever poesia. Fora isso, só tem tempo para “ir ao cabeleireiro, ao calista e ao cemitério”. “Casei com esta casa”, afirma, com um sorriso, Maria de Lurdes, que entrou no mundo da restauração “por amor a um homem”, Evangelista Nunes Graça, com quem casou aos 28 anos, depois de um longo namoro à distância.
Foi por ele que deixou “uma vida de princesa” em Lisboa. Largou um “bom emprego” na Companhia dos Telefones, as matinés de cinema, as amigas e a família, e mudou-se para Pombal que, em 1960, era “pouco mais do que uma aldeia”, para se ligar ao seu amor de sempre e abraçar o negócio da restauração.
Primeiro com a exploração da Pensão Pombalense, depois com o bar das bombas da Shell, um espaço que rapidamente se tornou pequeno. Acabaria por convencer o marido a apostar numa casa de raiz e, em 1986, era inaugurado o Manjar do Marquês, conhecido pelos seus pastéis de bacalhau, panados e bacalhau frito, acompanhados pelo inigualável arroz de tomate, que Maria de Lurdes continua a confeccionar com o carinho de sempre. “Cozinhar é a minha paixão. Vou fazê-lo até que Deus me deixe.”
Lima Bastos: Médico licenciado em filosofia depois dos 70
A resposta sai-lhe rápida: “Continuo a trabalhar porque gosto do que faço, porque gosto de trabalhar e de falar com as pessoas e pelo proveito económico que tiro da minha actividade, que me permite ajudar a família”.
A caminho dos 78 anos, Ângelo Lima Bastos, médico dermatologista, nunca pensou passar à inactividade, embora tenha abrandado o ritmo. Aposentou-se da função pública aos 66 anos, ao fim de 36 anos de carreira, deixando de exercer no Centro Hospitalar de Leiria, que durante um quarto de século, foi a sua casa.
Mas continuou a trabalhar no privado, primeiro na clínica que montou há mais de 30 anos em Leiria e que fechou no final do ano passado, e mais recentemente na Clínica das Olhalvas, onde dá consultas três tardes por semana. “Foi sempre o que fiz no privado”, conta, reconhecendo que a diminuição da actividade após a aposentação mexeu consigo.
“Nos primeiros tempos, quando passava na rotunda junto ao hospital, ficava comovido. A consciência de que nunca mais voltaria a uma casa onde fui tão feliz tocava-me”, confessa o médico, que admite que esse foi um dos motivos que o levou a matricular-se no curso de Filosofia, após a aposentação.
Aos 66 anos regressou aos bancos da Universidade de Coimbra para cumprir o sonho de se licenciar em Filosofia, concretizado já depois dos 70. “Sou médico, porque o meu pai, que também era médico, me pediu e eu fiz-lhe a vontade. E gosto muito do que faço. Mas, a Filosofia era um amor antigo. Por outro lado, quando começamos a envelhecer, temos necessidade de pensar e a Filosofia faz pensar.”
Desta segunda passagem pela universidade, onde partilhou as aulas com jovens com idade para serem seus netos, guarda as melhores recordações. “O convívio com a juventude foi muito bom. Não praxei, como já não o tinha feito quando cursei Medicina, mas ia a todos os jantares de curso. Só não bebia tanto como eles”, graceja o médico, nascido em Fiães da Feira, Aveiro.
Viúvo há vários anos, reencontrou o amor, com uma antiga colega do curso de Medicina, que conheceu há mais de 50 anos. “Uma companheira muito boa, de quem gosto muito”, declara-se.
Joaquim Pereira: Aos 80, entre a advocacia e a Misericórdia
O dia de Joaquim João Pereira, advogado e provedor da Misericórdia da Marinha Grande, começa por volta das sete da manhã, hora a que habitualmente se levanta. Faz “cinco minutos de ginástica” e, por volta das 7:45 horas, já está a entrar num dos estabelecimentos da irmandade. Alterna entre um dos dois lares de idosos e o centro
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