Sociedade
Três militares da GNR julgados por burla qualificada
Estão acusados de falsificação da escala de serviço, para fazer com que um acidente sofrido por um dos arguidos fosse considerado em serviço
O Tribunal Judicial de Leiria começou hoje a julgar três militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), um dos quais aposentado e outro em licença, pela alegada prática dos crimes de falsificação de documento, abuso de poder e burla qualificada.
Os factos remontam a Fevereiro de 2014, no posto territorial de Caldas da Rainha, envolvem pai (que no ano seguinte teve direito à aposentação) e filho, e outro militar que exercia funções de comandante de posto em substituição, e prendem-se com a suposta falsificação da escala de serviço, para fazer com que um acidente de viação sofrido por um deles fosse considerado em serviço.
Segundo o despacho de acusação, no dia 09 de Fevereiro de 2014, um militar, apesar de ter sido escalado pelo comandante, não se apresentou no posto da GNR pelas 09:00.
Nesse dia, o militar teve, cerca das 12:00, um acidente de viação na Autoestrada 24, na zona de Castro Daire (Viseu), no qual sofreu ferimentos, referiu o Ministério Público (MP).
O militar deu conhecimento do acidente ao pai e ao comandante, sendo que todos “combinaram entre si alterar a escala no livro de relatório diário” do posto, para que passasse a estar escalado para o serviço de patrulha entre as 14:00 e as 18:00 e este serviço “passasse a constar como tendo sido efectuado” entre as 16:00 e as 22:00.
No julgamento, este elemento da GNR relatou ao tribunal colectivo que no dia anterior ao acidente o comandante de posto em substituição lhe perguntou se não se importava de, ao invés de fazer serviço de secretaria, que começava às 09:00 e terminava às 17:00, fazer patrulha, entre as 16:00 e as 22:00.
O militar confirmou o acidente, do qual teve ferimentos ligeiros, tendo tido alta hospitalar por volta das 20:00 do mesmo dia.
Já o pai deste militar declarou que o comandante do posto em substituição lhe comunicou o sinistro, cerca das 14:00, 15:00 do dia 09.
“Nunca telefonei para ninguém, tirando para o hospital e o Destacamento de Trânsito de Viseu”, declarou, negando ter ido ao posto da GNR após saber do acidente do filho.
Perante a insistência da procuradora da República, o arguido reiterou que, “tirando ser para o hospital e Destacamento de Trânsito de Viseu”, não ligou para mais ninguém.
O então comandante do posto em substituição, agora em licença, explicou as circunstâncias que motivaram alterações às escalas de serviço (as mortes de um familiar directo e de um familiar indirecto de dois militares), o que originou uma sucessão de indisponibilidades, incluindo ter fixado “um militar sozinho em patrulha”.
Este arguido esclareceu que, “para não suprimir uma patrulha que estava planeada” e como ao fim-de-semana o serviço de secretaria é mais calmo, a solução que propôs foi o militar que estava escalado para a secretaria fazer patrulha.
“Houve a necessidade, para não suprimir a patrulha, colocá-lo na patrulha”, justificou.
Por quatro vezes, a perguntas da magistrada do MP, o à data comandante negou que alguém, mesmo de patente superior, lhe tinha pedido para alterar a escala para que o acidente sofrido pelo militar fosse considerado de serviço.
“Ninguém me pediu nada”, assegurou.
No despacho de acusação, o MP sustenta que, “por via da actuação levada a cabo pelos arguidos”, com idades entre os 40 e 66 anos, o acidente de viação sofrido pelo militar foi qualificado como ocorrido em serviço, tendo os tratamentos médicos, no valor de 2.299,39 euros, sido pagos pela GNR a quatro centros hospitalares e a uma clínica.
Já a CGA, na sequência das lesões sofridas pelo militar, atribuiu a este “uma incapacidade permanente parcial, com desvalorização de 10%”, após parecer de uma junta médica em Outubro de 2016.
“Por via do agravamento das lesões corporais”, aquele “conseguiu que viesse a ser conferida uma incapacidade permanente parcial, com desvalorização de 12%”, segundo parecer de junta médica em Junho de 2021, pelo que a pensão anual foi revista de 1.267,93 euros para 1.521,51 euros. Já o capital de remição pago pela
CGA passou de 20.116,98 euros para 22.871,34 euros.
O MP pede que seja aplicada aos arguidos a pena acessória de proibição do exercício de funções públicas e a medida de segurança de interdição, além de que sejam perdidas a favor do Estado as quantias de 2.299,39 euros (tratamentos médicos) e 29.721,97 euros (da CGA), correspondentes às vantagens obtidas por aqueles.
O julgamento prossegue no dia 26.