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Uma estrela do flamenco, uma família cigana e a primeira mulher guitarrista do fado. Ágora volta ao castelo de Leiria para dar palco a outros mundos

18 jul 2024 10:59

Niño de Elche e Raül Refree (que já trabalharam com Rosalía), La Familia Gitana e Marta Pereira da Costa entre os primeiros nomes anunciados pelo Ágora, que também conta com Alabaster Deplume, Marina Herlop e Julius Gabriel

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Tradição e futuro: Niño de Elche actua em Leiria no Outono
Ernesto Artillo

Menos princesas, mais rainhas. Menos barreiras, mais territórios de visibilidade. O ciclo Ágora regressa ao castelo de Leiria com um cartaz de concertos, artes performativas, artes visuais e oficinas que dá palco a diferentes perspectivas e experiências do mundo e em que se destaca o espectáculo com raízes no flamenco de Niño de Elche e Raül Refree, dois artistas provenientes de Espanha que já trabalharam, por exemplo, com Rosalía.

Já anunciados – a organização promete revelar mais nomes, ao longo dos próximos três meses – estão também Alabaster Deplume (saxofonista inglês de jazz com milhões de reproduções nas plataformas de streaming), a experimentalista catalã Marina Herlop, o alemão Julius Gabriel, e, ainda, as leirienses Surma e Inês Condeço, que vão colaborar numa residência artística.

São três fins-de-semana, de Agosto a Outubro, um em cada mês, para cruzar a memória, o presente e o que há-de vir, com curadoria da Omnichord / Ccer Mais.

No arranque, a 3 de Agosto, um sábado, regressa a Leiria a harpista espanhola Angélica Salvi, radicada no Porto desde 2011, que se dedica à improvisação e à música contemporânea. Depois do concerto de abertura, actua Marta Pereira da Costa, a primeira mulher a tocar profissionalmente guitarra portuguesa no fado. E, a fechar a tarde, La Familia Gitana, um grupo de jovens músicos do Bairro do Fim do Mundo, em Cascais.

O clarinetista e multi-instrumentista Paulo Bernardino e o vibrafonista Eduardo Cardinho, ambos com ligações a Leiria, são convidados para residência artística e apresentam Journeys With Melodies a 4 de Agosto. Ainda nesse domingo, as propostas para os mais novos incluem a oficina criativa Novos Habitantes do Castelo e o espectáculo Antiprincesas, de Cláudia Gaiolas, sobre Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a votar em Portugal.

No primeiro fim-de-semana do Ágora em 2024, revela-se a instalação Interfluxos, na zona das cisternas, um trabalho assinado por João da Fonseca (natural de Leiria, mas a viver em Lisboa) que explora a relação dinâmica entre o movimento humano e a resposta digital.

O papel da arte e da cultura tem de ser transformador”, comenta o programador Gui Garrido. E, no castelo de Leiria, através do ciclo Ágora, a fortaleza transforma-se em espaço de acolhimento e usam-se “pedras para criar uma ponte”, que procura ser “transversal”.

Os concertos, segundo Gui Garrido, seguem “duas linhas curatoriais”. Por um lado, música “onírica, exploratória, experimental” e “assumidamente instrumental”, com “mais espaço para ver o horizonte e viajar”, em que se integram as performances de Angélica Salvi e Julius Gabriel ou as residências artísticas de Eduardo Cardinho, Paulo Bernardino, Surma e Inês Condeço. Por outro, sonoridades provenientes de “várias geografias” e protagonistas que “desconstroem” lugares e tradições.

Muitos deles, trazem um cunho político. É o caso, ainda segundo Gui Garrido, do jazz de Alabaster Deplume, “um ser alado, um activista, um poeta”, em prol de “sociedades menos consumistas” que “voltem a ter capacidade e tempo para se emocionar com as dificuldades que o mundo sofre”. Ou Marina Herlop, com obra que eleva “o feminismo” e é “ode às mulheres”. Ou mesmo Marta Pereira da Costa, a assumir um papel antes exclusivamente masculino.

“A presença feminina tem muito a ver com quebrar esse tempo dos castelos” e “das princesas que são salvas por príncipes”, explica o programador ao JORNAL DE LEIRIA. É urgente “perceber como o mundo se vai moldando”. E constatar que “também a Disney mudou”.

Em 2024, a Omnichord desafia o público a conhecer “outros cantos e recantos” do castelo com a ocupação pelo Ágora de “um ou outro” contexto que é novidade em relação a edições anteriores. A mística do cenário, de resto, continua a impressionar os artistas – Niño de Elche é um deles e aceitou interromper o trabalho em estúdio para apresentar em Leiria a sua mistura de flamenco e electrónica, que renova a tradição.

“Este ano, assumidamente, voltamos a uma escala menor”, que possibilita “respirar mais” e “potenciar conhecimento”, adianta Gui Garrido. “Uma escala de maior proximidade”, com menos carga técnica e tecnológica, em que o “desaceleramento” contribui para se “dialogar de forma mais equilibrada” e “pensar na escuta de forma diferente”.

O bilhete habitual do castelo de Leiria garante o acesso às actividades do Ágora, com lotação limitada à capacidade dos espaços.