Opinião
A geopolítica da Rede Cultura 2027
Em Aveiro, a câmara gasta 37,7 euros em cultura por pessoa, enquanto Leiria não chega a 15 euros.
A Rede Cultura 2027 (RC27) são 26 municípios que abrangem mais de 800 mil pessoas. Trata-se, inequivocamente, de uma engenharia social ambiciosa em termos de cooperação territorial, mas que têm vários desafios endógenos para enfrentar, porque a RC27 é, sobretudo, um arranjo de várias configurações de disparidades regionais.
Os dados da Tabela 1 mostram-nos que a RC27 representa 7,8% da população residente no país, mas que em termos de despesa corrente em actividades culturais e criativas representa apenas 6,1%, i.e., está subdimensionada em cultura.
A RC27 gasta 29,7 euros/ano por cada cidadão, ao passo que a média do país é de 38 euros. Ou seja, a despesa per capita em cultura na RC27 representa 78% dos níveis nacionais. Portanto, trata-se de uma rede subdimensionada no seu objectivo estratégico.
Sendo Portugal um país com acentuadas assimetrias regionais, é expectável que a própria RC27 também o seja.
Entre as 26 câmaras municipais, 12 delas reúnem 73% de toda a verba orientada para a cultura com orçamentos acima de um milhão de euros, ao passo que 14 câmaras têm orçamento para a cultura abaixo de um milhão de euros.
E, no âmbito da RC27, sendo Leiria a «cabeça-de-lista» para a Capital Europeia da Cultura (CEC27), a suborçamentação apresenta-se ainda mais evidente quando é comparada com as cidades concorrentes mais próximas.
O orçamento corrente para a cultura em Leiria é de 1,9 milhões de euros, ao passo que em Coimbra é de 3,5 milhões e em Aveiro de 2,9 milhões de euros.
Em Aveiro, a Câmara gasta 37,7 euros em cultura por pessoa, enquanto Leiria não chega a 15 euros.
A grande ambição da RC27, enquanto território assimétrico, só poderá ser concretizada consoante os compromissos políticos internos alcançados.
De acordo com a Tabela 2, podemos ver que as câmaras municipais com maior pujança orçamental são PSD, ao passo que o PS predomina nas câmaras com orçamentos abaixo de um milhão de euros em cultura.
Trata-se de um intrincado jogo político entre as comunidades intermunicipais (CIM) da Região de Leiria e do Oeste, e as forças partidárias que as compõem.
A maior ambição da RC27 não deve ser a Capital Europeia da Cultura em Leiria, mas sim a afirmação de um novo paradigma de cooperação ente municípios.
Será que, por exemplo, dentro da mesma CIM ou dentro da própria RC27, os municípios mais ricos estariam dispostos a cofinanciar projectos culturais em municípios mais pobres?
Será possível exercer uma verdadeira cooperação entre 26 municípios se não houver uma real subsidiarização de verbas?
A RC27 não deve ser apenas um projecto cultural. Tem de ser, sobretudo, um projeto de coesão social que usa a cultura como principal instrumento. Mas que, neste exacto momento, está subfinanciada.
Tabela 1. População e Despesa Corrente em Cultura
Território | População | DCACC* (em €) | DCACC/Pop. |
Rede Cultura 2027 | 802.880 | 7,8% | 23.839.390 | 6,1% | 29,7 | 78% |
Portugal | 10.291.027 | 391.367.844 | 38,0 |
Leiria | 126.897 | 1.894.264 | 14,9 |
Coimbra | 143.396 | 3.512.056 | 24,5 |
Aveiro | 78.450 | 2.954.795 | 37,7 |
*Despesa Corrente em Actividades Culturais e Criativas (INE, 2017)
Tabela 2. Divisão de Força Política na Rede Cultura 2027
Território | Mais de 1 milhão de euros | Menos de 1 milhão de euros |
Força política dos concelhos |
6 câmaras PSD e CDS |
9 câmaras PS 5 PSD e outras coligações |
*Docente do Politécnico de Leiria