Opinião
A soberba e a humildade
Numa sociedade tão iluminada por um desenvolvimento ímpar da ciência e da tecnologia, estes tempos podem ser aproveitados para acalmar, ponderar e mudar.
Prometi a mim mesmo não falar do Covid-19. Escolhi falar sobre a soberba e a arrogância. Pelo menos até ao século XII, a soberba, na hierarquia dos pecados capitais, era o primeiro. Mesmo quem não se governa actualmente na sua crença pelos desafios da noção do pecado, mas pela moral, ou só ética, estes tempos devem-nos necessariamente reconduzir, por contraponto, a uma certa humildade.
À humildade que sempre deveríamos ter tido na nossa relação com a Natureza, à humildade de quem é confrontado de novo com epidemias, que nos lançam o pânico da morte, quase como nos séculos XIV e XV e nos obrigam ao isolamento, ao açambarcamento, à “desconfiança” para com os outros e connosco mesmos…
As previsões do novo milénio sempre foram ao encontro do que mais desejávamos: o fim das fomes e da doença e da guerra (naturalmente!). Já sabendo de antemão que as guerras são impossíveis de evitar, nos anos 70 do século passado parecia um dado adquirido a derrota de um dos cavaleiros do Apocalipse: o fim generalizado das grandes fomes e das epidemias e até a cura para muito das doenças que nos atormentam, como o caso do cancro.
Os mais precavidos, conhecedores ou sábios (tendo por aliados, todos satisfeitos, os pessimistas crónicos), avisavam entre dentes, quase sem serem ouvidos, que tais previsões eram pura arrogância ou optimismo pueril.
E muitos de nós sempre comungámos de um sentimento geral, numa espécie de névoa que quase nem vemos, mas pressentimos, ou intuímos, que entre tantos desequilíbrios e rupturas, mais tarde ou mais cedo algo do género viria e que algo do género, ainda muito mais grave, um dia virá.
A História diz-nos que as grandes pestes sempre apresentaram três momentos na forma como socialmente nos confrontámos com elas: numa primeira fase algum pânico, misturado com inconsciência ou negligência.
Numa segunda fase, após tomarmos consciência da sua perigosidade, tomamos medidas de prevenção, somos solidários, unimo-nos na luta contra um “inimigo” que pensamos poder derrotar com brevidade.
Mas numa terceira fase, diz-nos a História, avançando a peste sem remédio, são poucos os sentimentos de solidariedade, de entreajuda, de abnegação para todos os “outros”, que não sejam os “nossos”…
Sobreviver a todo o custo sobrepõe-se a qualquer outro sentimento.
Numa sociedade tão iluminada por um desenvolvimento ímpar da ciência e da tecnologia, estes tempos podem ser aproveitados para acalmar, ponderar e mudar.
Porque esta corrida desenfreada que é a vida de nós todos, perseguindo um bem-estar nunca plenamente nem completamente conseguido, também nos enfraquece, debilita e destrói.
Há quem diga que a partir destes dias o Mundo não será o mesmo, porque a Humanidade, confrontando-se com um perigo não esperado, e na previsão de outros futuros, se obrigará a reflectir e a mudar.
Não sei o que pensar.
Porque na verdade balanceio-me ora entre um “pessimismo crónico”, ora entre um “optimismo pueril”, como se não houvesse meio termo…