Viver
Pedras da Batalha escondem tabuleiros de jogo
Jogos medievais | A febre dos jogos de tabuleiro está a contaminar cada vez mais pessoas, mas a existência de tabuleiros de jogo, em monumentos como o Mosteiro da Batalha, revelam que o acto de jogar, já na Idade Média, era uma forma lúdica generalizada de passar o tempo, com uma popularidade que não se imaginava que existisse
Várias publicações recentes revelaram que, nos tempos livres, pedreiros, canteiros, monges e noviços do Mosteiro da Batalha, matavam o tédio fazendo desenhos nas pedras do monumento.
Visíveis nas paredes, há desenhos de monstros marinhos, naus, cristos, anjos, santos, castelos, animais do quotidiano e bestas fantásticas.
“Além disso, há tabuleiros de jogo desenhados com os quais jogaram durante gerações. Desde há alguns anos percebemos que o tempo que as pessoas, na Idade Média, passavam a jogar era muito grande. Há uma enorme quantidade de tabuleiros em monumentos e espaços públicos, criados, com grande qualidade, para aguentarem a passagem do tempo”, explica Lídia Fernandes autora, em parceria com Jorge Nuno Silva, do livro de 2012, Jogos de Tabuleiro de Pedra, em Portugal: o caso do Mosteiro da Batalha.
Os jogos de tabuleiro estão outra vez na moda, sejam eles de estratégia, da Glória, jogados com auxílio de dados ou de lápis. Mas a febre por este tipo de diversão é muito antiga.
Já ouviu falar no Snakes and Ladders? Este popular jogo de tabuleiro tem origem indiana e chamava-se Vaikuntapaali, quando foi criado no século XVI, sendo utilizado como ferramenta para ensino moral e espiritualidade.
Já o Chaturanga, também indiano, é muito comum em todas as nossas casas. Terá surgido no século VI d.C e é o antepassado comum de todas as versões modernas de xadrez.
“O xadrez foi sendo modificado pelas várias culturas por onde passou. Da Índia, Arábia e depois na Europa”, explica Micael Sousa, formador do Curso de Serious Boardgames (8H), investigador e formador, com experiência de aplicações de serious games, através de jogos de tabuleiro modernos a múltiplos contextos.
“Muitos destes jogos antigos tinham significados religiosos”, esclarece.
Nos últimos anos, Lídia Fernandes identificou alguns tabuleiros que foram usados nas zonas mais antigas de Lisboa até aos anos 50, do século XX. Depois disso, foram abandonados. “Porque apareceram a televisão e outros passatempos.”
E era precisamente isso que os jogos de tabuleiro eram: uma forma lúdica generalizada e popular de passar o tempo, que não se imaginava que existisse.
“Numa época sem televisão ou outras formas modernas de passar o tempo, o acto de jogar era muito mais comum do que julgávamos até há uns anos”, diz a investigadora que, em 2013, editou um roteiro nacional dos jogos de tabuleiro em monumentos, onde identificou 119 exemplares.
Hoje, afiança, terão sido descobertos, pelo menos, o dobro, devido ao interesse que a sua obra suscitou.
Desenhos fantásticos e onde encontrá-los
Na década de 60, do século passado, José de Pinho Brandão referiu os grafitos do Mosteiro da Batalha convencido da sua importância, porém, só em 1994, esses desenhos foram alvo de um primeiro estudo, quando o medievalista Saul António Gomes publicou uma obra onde sistematizava uma parte deles, referindo também os jogos gravados nas paredes e parapeitos.
“Foi no livro Vésperas Batalhinas”, recorda Saul Gomes, adiantando que a existência de tabuleiros de jogo podem ser encontrados noutros monumentos, como o Castelo de Leiria.
Na primeira década deste século, foi a vez de o historiador Jorge Estrela se apaixonar pelos desenhos de seres fantásticos e de jogos de tabuleiro, fotografou-os e plasmou-os na sua obra póstuma Grafitos Medievais do Mosteiro da Batalha, publicada recentemente.
“Na parede Este da Sala do Capítulo, vê-se o desenho de um tabuleiro de Albuquerque (...), um percursor do Jogo de Damas, de origem muito antiga, talvez egípcia, que a cultura árabe traz à Península Ibérica com o nome Al-qirkat e foi rapidamente divulgado, ao ponto de se tornar o jogo mais popular da Idade Média, juntamente com as marelles e o xadrez”, descreve o historiador.
As linhas do Albuquerque aparecem noutras variações, de nove, 12 e 15, no pavimento do Claustro de D. João I e até no do refeitório do mosteiro. Segundo Estrela, o jogo aparece numa iluminura do livro de jogos de Afonso X, o Sábio, avô de D. Dinis.
É uma representação dos fins do século XIII de um Albuquerque de 12, a primeira conhecida no período medieval. Segundo Lídia Fernandes, de
Sabia que pode ser assinante do JORNAL DE LEIRIA por 5 cêntimos por dia?
Não perca a oportunidade de ter nas suas mãos e sem restrições o retrato diário do que se passa em Leiria. Junte-se a nós e dê o seu apoio ao jornalismo de referência do Jornal de Leiria. Torne-se nosso assinante.