Opinião
Cinema | O que afinal escondem e revelam as fotografias?
O mais recente filme de Joana Pontes aborda o passado colonial através de uma memorabilia fotográfica, muitas vezes votada ao esquecimento, e de fotografias de caráter científico e político
Visões do Império (2021), realizado por Joana Pontes, já percorreu alguns festivais como o DocLisboa e Caminhos Do Cinema Português, e está disponível em DVD.
O mais recente filme de Pontes aborda o passado colonial através de uma memorabilia fotográfica, muitas vezes votada ao esquecimento, e de fotografias de caráter científico e político, desde o século XIX até ao 25 de Abril. Perscrutar a seleção de fotografias que a realizadora nos apresenta é ultrapassar um certo estado de inocência, nostalgia e exotismo das mesmas para descobrir relações políticas e éticas que nos implicam, uma vez que as fotografias ajudaram a criar uma imagem ordenada, extensa e pacífica de Portugal além fronteiras.
Apesar de em Visões do Império se partir das fotografias privadas da realizadora e de uma narração feita na primeira pessoa pela própria Pontes, o filme tem uma narração que preza pela cautela, valendo-se o mais possível de rigor e precisão, que apenas reforça o tipo de documentário. Trata-se de um género que, não sendo muito habitual no cinema, é mais comum no registo televisivo: o documentário de investigação. Todavia, aqui tratado de uma forma exemplar, sem dramatizações, cuidado excepcional com a imagem, a narrativa e a realização. Um empreendimento comprometido com o verdadeiro conhecimento. E nesse sentido tem a lucidez de não impingir um ponto de vista nem nos dar uma “lição”. A realizadora tem a humildade de partir, aos olhos do espectador, como uma neófita na matéria, inicialmente desafiada pelas fotografias de infância tiradas em Angola, que lhe suscitaram uma nova reflexão após a leitura de Império da Visão, de Filipa Vicente, para, ao longo do filme, ir aprofundando o seu conhecimento sobre os diferentes significados que as fotografias das ex-colónias têm.
Susan Sontag escreveu que “todas as fotografias estão à espera de ser explicadas ou falsificadas pelas legendas”. Roland Barthes disse-lo de outro modo: “[a fotografia] só sabe dizer aquilo que dá a ver”. Como tal, pretende-se com Visões do Império educar o olhar e aprender a olhar criticamente.
Uma das grandes conquistas de Pontes neste documentário está no modo como dá a ver as fotografias. Elas não aparecem como uma superfície plana digitalizada no ecrã inscrevendo-se na totalidade do enquadramento, mas sim como algo palpável, possibilitando ao espectador uma experiência próxima do manuseio. O colonizado, isto é, o rosto dos negros anónimos, que fora negligenciado na sua individualidade e humanidade, tem agora a justiça de um olhar demorado e atento.
Ainda que se valha de um certo estilo “académico” no modo como a informação é apresentada, deixando que os outros investigadores (em suma, os elementos de autoridade) ocupem grande parte do filme e em que a realizadora e o seu ponto de vista quase se obliteram; Visões do Império é um documentário que dá mais um passo para transpor a investigação feita entre especialistas para o espaço público. Apresenta-nos também uma forma mais impessoal de tratar o assunto, que talvez não esteja tão de acordo com o estilo a que nos foi habituando o cinema português, mas não é por isso que é menos competente e legítimo.