Opinião
Como é que é possível?
Ainda mal refeitos da enorme tragédia que colocou de luto todo o País, já se começam a tentar encontrar culpados e, como habitualmente, os dedos apontarão para todos os lados.
Por tudo e mais alguma coisa serão encontrados responsáveis. Seja pelo (des)ordenamento do território, seja pela eucaliptização da floresta, passando pelos reduzidos meios de combate aos incêndios, pela falta de preparação dos bombeiros e pela sua deficiente coordenação no local. Haverá também, obviamente, quem volte a falar da falta de limpeza da floresta e do incumprimento das distâncias das árvores às casas e estradas.
Parece que também um tal SIRESP, o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal, que custou muitos milhões, não se livrará das responsabilidades, pois foi abaixo assim que foi chamado a actuar.
Outras razões, justas ou injustas, surgirão, todas elas com responsáveis associados, avizinhando-se, quase pela certa, um período de caças às bruxas, que será sucedido pelo esquecimento gradual do assunto até que ninguém (para lá, obviamente, dos que viveram o inferno de perto) se lembre do que aconteceu e, principalmente, do que é urgente fazer.
Sim, porque o que é agora urgente fazer-se já o era há 10 ou 20 anos, mas a urgência raramente pariu mais que algumas medidas avulso e planos disto ou daquilo que não saíram da gaveta, nunca tendo sido implementada uma política séria para a gestão da floresta.
Só essa inércia, sentada em cima da inconsciência, é que poderá explicar o inexplicável de sermos todos os anos fustigados pelo fogo e pouco ou nada fazermos para que no ano seguinte seja diferente.
Depois, também alguma loucura e até uma dose de masoquismo é que poderão explicar essa inércia de pouco ou nada se fazer, sabendo-se que o inferno voltará, e tornará a voltar, ano após ano.
Regressando aos culpados, não se poderá dizer que haja inocentes nisto tudo. Pois se os responsáveis políticos e técnicos não mostraram capacidade ao longo das últimas três décadas para pensar no problema e tomar medidas para o controlar, a verdade é que nunca se viu uma verdadeira contestação ou pressão pública para que a situação se alterasse, como se pôde observar noutras situações de luta, geralmente por causas bem menores.
Até este Editorial, publicado nesta altura, não deixa de ser um pouco hipócrita, pois não deveria ter sido necessária tamanha tragédia para ser escrito, sendo o problema tão antigo e visível.
É triste, mas somos mais dados a chorar o leite derramado do que a evitar que o jarro tombe, acabando por andar sempre sobre o fio da navalha na esperança de que nada aconteça.
É uma forma de estar que não será muito diferente da que levou um general romano, no século III antes de Cristo, a escrever ao seu Imperador que “há, na parte mais ocidental da Ibéria, um povo muito estranho: não se governa nem se deixa governar!”, pois, como escreveu o jornal espanhol El Mundo, “não é aceitável que, em pleno Século XXI, num país da União Europeia, um incêndio florestal origine um número de vítimas mortais tão elevado”.
* Director do Jornal de Leiria