Opinião
Dois (intermináveis) minutos
Odiamos no trabalho, odiamos no lazer, odiamos na família. Passamos o tempo a odiar. A única solução é desligar a corrente.
Escrito a pensar no pós-guerra (primeira publicação em 1949), o livro 1984, de George Orwell, tornou-se na distopia mais famosa de sempre. É um estranho “sapato de Cinderela” que tem servido ao pé torto da nossa época.
Uma luva enfiada no que o nosso mundo se tornou depois das chacinas e abusos de uma “pequena minoria” que, mesmo assim, pôs a Europa e o planeta a ferro e fogo, na guerra mais cruel de que há memória.
Tal como outra “minoria” retirou o Reino Unido da “Europa”, por razões do foro exclusivo da manipulação.
Este livro, mais citado do que lido, tem nos “dois minutos de ódio” uma das suas mais poderosas passagens.
Estes 120 segundos são descritos pelo autor como “uma corrente eléctrica” que percorre todo o grupo de cidadão, uma onda interior de raiva e medo exteriorizada pelos esgares e movimentos convulsivos das pessoas que habitam a sociedade de 1984.
Winston Smith, o desalinhado protagonista, apercebe-se também do carácter “abstracto” deste ódio.
Um desprezo sentido, mas também fingido, passado entre os seres como um vírus de alta voltagem, um choque comunal, normalizado.
Este livro tem encaixado em todos os puzzles sócio-económicos que se nos tem apresentado: da Guerra Fria às redes sociais, os dois minutos de ódio estenderam-se até serem horas, até completarem dias.
Agora, comigo fora das redes sociais, consigo senti-lo e observá-lo em muitos dos gestos e palavras no quotidiano de quem ainda lá anda.
São dois minutos repetidos tantas vezes que nos vieram ocupar todo o nosso tempo.
Odiamos no trabalho, odiamos no lazer, odiamos na família.
Passamos o tempo a odiar.
A única solução é desligar a corrente.
A eutanásia, sem referendo, das redes sociais é o que aconselho a quem quiser viver a vida de uma forma inteligente e saudável, sem contar os segundos até parar de tremer.