Editorial
Espécies que não fazem falta
Estão de parabéns a SAMP, promotora do projecto, os parceiros Leirena, Escola de Dança Clara Leão e Casota Collective, e a própria Gulbenkian, que através do programa Partis apoia este projecto, instituições que já nos habituaram à nobreza de espírito.
Depois de séculos onde qualquer diferença face à norma, fosse na etnia, na orientação sexual ou na crença religiosa, mas também a deficiência e a pobreza, eram razão para discriminação, ostracização e até violência, sem que isso incomodasse a generalidade das consciências, que o entendiam como natural e aceitável, a palavra ‘inclusão’ entrou definitivamente no léxico do dia-a-dia no Mundo ocidental, e, mais importante, na preocupação de cada vez mais pessoas.
Actualmente, apesar dos Trumps e dos Salvinis desta vida, espécie de cretinos que, infelizmente, não está em vias de extinção, há já em boa parte da população uma consciência mais condizente com os princípios de uma sociedade civilizada, onde a tolerância, o respeito, o conhecimento e a solidariedade são pilares estruturantes.
É óbvio – e triste – que a palavra ‘inclusão’ é, muitas vezes, utilizada de forma retórica em discursos políticos de circunstância, numa lógica de evocar o que fica bem ser dito e de ficar por aí, pelas palavras.
No entanto, há também quem assuma o assunto com a seriedade que ele merece e que, sem palavras bonitas perto dos holofotes, vai dando o corpo e a alma por projectos capazes de mudar alguma coisa.
Felizmente, os exemplos são já bastantes, com associações como as Cercis, os Malmequeres, a Inpulsar, a Atlas ou a Riscas Vadias, entre muitas outras, a desenvolverem projectos que têm permitido fazer a diferença junto de comunidades mais desfavorecidas ou marginalizadas, ajudando na tal ‘inclusão’ de pessoas que, no Mundo do olhar direccionado para o umbigo onde vivemos, são muitas vezes esquecidas.
Vem esta reflexão a propósito do projecto Pavilhão Mozart – Ópera na Prisão, que levou a palavra ‘inclusão’ para dentro dos muros do Estabelecimento Prisional de Leiria – Jovens e colocou os reclusos como actores de uma peça que, este mês, subirá, em duas datas, ao auditório da Fundação Calouste Gulbenkian.
Nada disto garante, obviamente, que o futuro desses jovens seja diferente do passado que os colocou atrás das grades, mas a probabilidade de alguma coisa mudar será, certamente, maior, quanto mais não seja pela experiência, em muitos casos virgem, de se verem envolvidos num projecto e de serem tratados com respeito e de igual para igual.
Estão de parabéns a SAMP, promotora do projecto, os parceiros Leirena, Escola de Dança Clara Leão e Casota Collective, e a própria Gulbenkian, que através do programa Partis apoia este projecto, instituições que já nos habituaram à nobreza de espírito.
Àquela nobreza que permite olhar para o outro como um igual e não como algo inferior ou um número a riscar.