Opinião

Música | Iniciativa “Garantir Cultura”

2 out 2021 20:00

Uma iniciativa claramente positiva que o Estado teve na área da cultura

Hoje pensei em fazer uma pequena pausa na divulgação de trabalhos discográficos – em que procuro, com alguma sorte, apresentar-vos autores que possam até então desconhecer, para vos falar um pouco de uma iniciativa claramente positiva que o Estado teve na área da cultura (com possíveis implicações em outras áreas, como descreverei no meu caso) .

Refiro-me ao programa “Garantir Cultura”, um apoio universal (não concursal) e a fundo perdido, que visa a mitigação dos impactos da crise pandémica no sector cultural e o estímulo à gradual retoma da sua atividade, permitindo simultaneamente a remuneração do trabalho artístico e técnico.

Quer entidades artísticas singulares e coletivas que prossigam atividades de natureza não comercial, quer o tecido empresarial (micro, pequenas e médias empresas, incluindo empresários em nome individual com contabilidade organizada) do setor cultural e artístico foram abrangidas.

Sendo eu um trabalhador independente, aproveitei a oportunidade e celebrei este mesmo acordo no passado mês de Junho, destinado à criação do projeto “Dançando com a solidão” (obra artística a ser apresentada em lares de idosos por todo o país, em atuações ao vivo com música e coreografia de dança originais de forma absolutamente gratuita para esses mesmos lares).

O isolamento social a que os mais velhos foram sujeitos – e em especial aqueles que se encontram em situações de maior vulnerabilidade – é, porventura, a consequência imediata mais negra de todo este estado de exceção em que nos encontramos.

O nosso projeto - meu, da bailarina e professora de dança Joana Inês Santos e da violinista Veronika Taraban - visou assim combater, in loco, esta consequência tão negativa, apresentando a cultura enquanto arma de combate contra a solidão e o desamparo daquela franja da sociedade.

Concluído o projeto no final do mês de Agosto, estamos orgulhosos do impacto que sabemos que tivemos nos idosos (e equipas técnicas residentes) que visitámos pelos lares em que atuámos.

Passámos por um total de vinte lares, distribuídos equitativamente (e escolhidos aleatoriamente pese embora esta premissa de serem dois lares por distrito) pelos seguintes distritos: Coimbra; Leiria; Aveiro; Porto; Castelo Branco; Portalegre; Évora; Setúbal; Santarém e Lisboa .

Sentir que os idosos (com idades compreendidas sensivelmente entre os 85 e os 105 anos!) nos acolheram tão bem nos seus espaços - cumpridas claro todas as regras de higiene e proteção pessoais impostas por cada lar) -, e no geral vibraram verdadeiramente com aqueles vinte minutos de atuação que lhes proporcionámos, foi o ponto alto deste projeto e a verdadeira recompensa emocional que não esperávamos tão intensa e impactante neste período negro de solidão dos mais velhos.

Tínhamos presente que iríamos encontrar pessoas com a autoestima em baixo, muito abatidas e com uma enorme vontade de comunicar com alguém “de fora” - alheio àqueles espaços -, no entanto não prevíamos a intensidade de algumas reações às atuações, com lágrimas, sorrisos intensos, palmas entusiasmantes e o partilharem connosco a sua verdadeira alegria em nos terem ali por perto, nem que por apenas aqueles instantes.