Opinião
O bom gosto e a ética
Kant faz a distinção entre belo e bom, considerando que algo é bom se serve o propósito para o qual foi feito
Decidida que estava a escrever sobre o gosto e a questão que tantas vezes se levanta sobre dever ou não ser discutido, fui apanhada por pensamentos recorrentes sobre duas personalidades que nos morreram nestes últimos dias (e em contraponto, sobre outras duas que por “cá” ainda continuam).
Não conseguindo escolher um dos assuntos em detrimento do outro, matutei à procura da razão para semelhante insistência em os ter a par no pensamento, e dei comigo em algumas voltinhas filosóficas. Dizia-se, e diz-se, que o gosto não se discute, e eu concordo, até certo ponto: não podemos colocar alguém na situação confrangedora de nos ouvir dizer que não gostamos do que veste, da forma como se penteia, do perfume que usa, ou da forma como se maquilha.
Quando muito, e havendo grau de proximidade que o justifique e o torne aceitável sem melindre, poderemos dizer-lhe, mais tarde, que algo lhe fica, agora, muito melhor. A não ser assim, a nossa opinião é apenas coisa que, não tendo importância, deverá permanecer de onde não saia.
Diferente será com a percepção, a reflexão e a discussão sobre o bom, ou mau, gosto, que se manifesta nas escolhas que fazemos, muito para além da forma como escolhemos exibir o corpo. Trata-se do que ouvimos e lemos, das ideias que defendemos, das causas por que lutamos e dos limites que não ultrapassamos. Trata-se de ética, sim; mas que na tradição grega não estava separada da beleza, considerando-se belo um indivíduo que fosse éticamente um exemplo.
A capacidade de fazer juízos estéticos está ligada à beleza e, para uma das duas principais correntes de pensamento filosófico, a beleza que percepcionamos depende do nosso meio sócio cultural, da educação que tivemos, e das experiências pessoais que vamos tendo. (A outra corrente atribui ao objecto uma beleza “real”, independente de quem o observa).
Kant faz a distinção entre belo e bom, considerando que algo é bom se serve o propósito para o qual foi feito, devendo nós, para podermos avaliar dessa bondade, conhecer adequadamente esse propósito. Quando durante vários dias ouvi e li depoimentos elogiosos em relação a Pinto Balsemão e a Laborinho Lúcio, surpreendi-me com a diversidade de pessoas, de todos os quadrantes políticos, que lhes teciam os maiores elogios, lhes manifestavam grande consideração, e agradeciam pelo legado que deixavam.
O bom, o gosto, e a ética são pois, manifesta e comprovadamente questões de conhecimento, maturado no meio em que nos inserimos e, portanto, não universais, mas com capacidade para nos fazer ver mais longe, para nos alargar os horizontes e para nos fazer entender o mundo fora do pequeno círculo em que nos movemos.
O contrário será, portanto, o mau gosto, associado à ignorância, à falta de ética e à ausência de capacidade para encontrar a beleza, que me fazem lembrar dos outros dois que ainda por “cá” andam, um dentro de portas, o outro do outro lado do Atlântico, e de todos os ignorantes que lhe servem os maus propósitos.