Opinião
Uma Casa
Uma Casa é o lugar onde cada um vai fazendo crescer a pessoa que quer ser
Uma Casa é mais do que o lugar onde a nossa vida diária acontece, é mais do que um entra e sai na ocupação quotidiana de um espaço que poderia acontecer, do mesmo modo, numa casa qualquer. Mas numa Casa, as rotinas das limpezas, os costumeiros cozinhados, o estender da roupa que com o tempo se vai tornando pequena ou gasta, a escolha habitual para os jantares de domingo, ou o arrumar de gavetões na mudança das estações, durante anos a fio, são parte dos seus alicerces porque se traduzem em hábitos e dão forma ao modo de ali se viver.
Uma casa de férias, ou de estudantes, ou as que se vão tendo nos começos da vida adulta, são lugares de crescimento, de encontros e de recordações, sim; mas uma Casa, mesmo que sempre aberta e cheia de todos quantos se cruzem com quem lá vive, é um casulo, um segredo precioso, urdido com as pequenas e as grandes histórias que lá foram acontecendo, lenta e amorosamente construído pelos que lá vivem, ou já viveram, contado e recontado à mesa de jantar, ou nas celebrações, ou nos momentos de saudades e nostalgias.
“Lembram-se quando…”, e abrem-se sorrisos na recordação de um pedaço de vida, mesmo que a lembrança seja triste pelo que se recorda, ou pela definitiva ausência de alguém. Mas dessa história que todos sabem (e que alguém mais novo, irá em algum momento aprender) cada um terá o modo próprio de a saber, a emoção particular com que a viveu ou recorda, ou o pequeno detalhe que apenas um dos da Casa poderá saber contar.
Uma casa é apenas uma passagem, um espaço onde se permanece enquanto uma razão qualquer assim o fizer acontecer, mas uma Casa é o lugar onde nos plantaram e aí ficaremos a crescer para sempre, mesmo que fora dela, mesmo que já a construir o segredo de outra Casa com os que, depois de nós, também são filhos e netos.
Uma Casa é o lugar onde cada um vai fazendo crescer a pessoa que quer ser, onde cura as feridas, onde vai encontrando o seu lugar no mundo, de onde parte para ele, e para onde volta, sempre, mesmo que já não seja possível voltar. Uma Casa tem vozes antigas nas paredes, tem lembranças de outras mãos nas maçanetas das portas, tem a certeza de que outros olhos viram já a mesma paisagem que se avista das janelas, tem passos antigos no corredor, tem retratos, e tem livros com o nome de quem, já não vivendo, vive assim.
Uma casa tem, para sempre, a poltrona do Pai, a mesinha da Mãe, ou o tinteiro do Avô, e tem a cadeirinha da mãe/criança, onde também se sentaram os filhos e se sentam agora os netos; e tem o lugar onde estava o rádio da Tia e o piano da Avó, e tem o som do relógio que marca o passar do tempo de três gerações.
Uma Casa pode ter um tamanho qualquer, pode ter muito ou quase nada, pode ser de muitos ou de muito poucos, só não pode ser apenas uma casa; porque a Casa é o centro de um pulsar de vida, inextinguível, um lugar de para sempre, que continuará a sê-lo depois, na memória.