Opinião
O Efeito Papageno
Papageno participará da expedição de resgate da princesa Pamina, junto do corajoso príncipe Tamino
Papageno é um dos personagens principais da ópera Flauta Mágica de Mozart, um ‘homem-ave’, ser que vive na floresta sob os domínios da Rainha da Noite, tendo como labor caçar pássaros e entregá-los às Três Damas.
Papageno participará da expedição de resgate da princesa Pamina, junto do corajoso príncipe Tamino. Ao contrário deste, Papageno é medroso e humilde, tentando durante a peça, acabar com a sua própria vida. Porém, três espíritos ou duendes convencem-no a desistir dessa tentativa, mostrando-lhe outras possibilidades para se manter vivo.
Sabe-se que a emissão nos meios de comunicação (também cada vez mais, nas plataformas digitais), de certos tipos de informação «viral» aumenta a probabilidade de emissão dum comportamento, por ‘efeito-contágio’. Isso é visível, em situações de violência, crime, influência ao consumo, incitação ao ódio e na temática do suicídio.
O fenómeno inverso também ocorre: a emissão de modelos de comportamento pró-sociais, positivos ou de esperança, perspectivando a vida assertiva (desde que sejam percebidos como realistas), gerando níveis de persuasão que têm um efeito preventivo.
A exposição a exemplos de pessoas que assumidamente tentaram pôr termo às vidas, mas que desistiram dessa ideia e superaram as crises, angústias ou dificuldades, irá gerar no interlocutor um efeito preventivo do suicídio.
Trata-se de encontrar referências e modelos indutores, que apesar das dificuldades, geram alternativas, algo bem mais profundo e compreensível quando se percebe que a pessoa que passou por uma situação semelhante à sua conseguiu suplantá-la, potenciando no espectador estratégias de superação.
Para que o efeito Papageno seja activado, não basta apenas realçar a circunstância de que a pessoa não cometeu suicídio. O que realmente protege e impede esse gesto no espectador é o facto de mostrar como é que o sujeito conseguiu superar as suas dificuldades, focando a existência de alternativas.
Tal como nos (en)canta Tim Bernardes na sua magistral canção «Nascer, Viver Morrer»: Nascer outra vez bem no meio da vida // De fato acordar e enxergar cada dia // As coisas existem com força e magia // E eu sou a consciência da coisa que eu sou // Eu quero e eu amo e eu posso e eu vou; Viver / Na realidade que é onde é possível // Às vezes sem nem perceber que está vivo // Às vezes na barra, às vezes na boa // No mundo, na mente, no sonho e no ser // No raro momento infinito viver; Morrer / Que a ausência é a presença do inexistente // Do silêncio com seu volume gigante // Limite pra além do azar e da sorte // Que prova existir vida antes da morte // Que une e separa o todo da parte.
Convenhamos, já Goethe tinha sido premonitório: «É certo, afinal de contas, que neste mundo nada nos torna necessários a não ser o amor».