Opinião
O Sr. Rui
Morreu um homem cuja forma de estar na vida é facílima de ser replicada por qualquer um de nós, seja qual for o tamanho das nossas posses, assim o quiséssemos
Num mundo apressadíssimo, repleto de informação veiculada por inúmeros meios de comunicação social onde a imagem em movimento tem um papel incontornável no envolvimento do receptor com a informação emitida, nada costuma durar mais do que um ou dois dias, à excepção, claro, das guerras.
No início das guerras toda a gente quer partilhar a incredulidade, o horror, e a aflição, mas depressa passa depois a ser um jogo cruel e desgraçadamente humano, em que uns tomam posições e os outros ocupam o lugar de espectadores.
Desgraça e voyerismo são um par infalível e por isso as guerras são mediatizadas, garantindo, não tanto a informação (ou teríamos todas as outras guerras para ver à hora do jantar), mas sobretudo o aumento e cativação de seguidores que fará subir a parada dos lucros.
Pergunto-me se esta mediatização das contendas não fará aumentar a tensão e a vontade de exibir pequenas vitórias por parte dos contendores e de quem os apoia, conduzindo de algum modo ao prolongar do conflito.
Nos intervalos da guerra ficam os assuntos “menores”, porque nunca se viram noticiários, ou jornais, tratarem exaustivamente de alguma coisa com grande repercussão positiva.
Há dias, morreu um homem notável. Um homem com um extraordinário impacto em todos os (muitos) que durante a sua longa vida se foram com ele cruzando. Morreu um homem cujo exemplo, a ser seguido, poderia resultar na salvação de muitos pequenos mundos, tal como ele soube fazer no seu, de 8.000 habitantes. Durante três dias teve destaque nas emissões televisivas; depois disso desapareceu, salvo algumas pequenas, e a rarear, excepções; voltou a guerra.
Muitos dirão que se tivessem a mesma capacidade económica que o Sr. Rui tinha, fariam o mesmo. Mas não, não fariam o mesmo. Distribuir, na lógica da atenção ao outro, do cuidado com o outro, da capacidade de se colocar no lugar do outro, não é algo que se faça, ou não, conforme maiores ou menores disponibilidades financeiras; distribuir assim é coisa de afectos, de sensibilidade, de simplicidade, e de superior entendimento da razão de se estar vivo; é coisa que vem de dentro.
O Sr. Rui distribuía ajuda financeira porque essa vinha agarrada à necessidade de distribuir amizade e bem-estar, de ver gente feliz à sua volta, e consta que sempre foi assim, mesmo quando a vida lhe era tão difícil como para muitos não foi.
A quantidade do que pôde distribuir ao longo dos anos foi enorme, conforme múltiplos relatos e agradecimentos públicos aquando da sua morte, mas o que se via e sentia eram lágrimas, saudades, tristeza, e amor pelo homem do povo que sempre foi.
Morreu um homem cuja forma de estar na vida é facílima de ser replicada por qualquer um de nós, seja qual for o tamanho das nossas posses, assim o quiséssemos.
Mas os que têm posses de um tamanho que permita salvar em pequenas e grandes aflições, dar um primeiro passo transformador, ter um novo fôlego, sentir uma alegria recuperada, e uma fezada no futuro, por favor, queiram ser um Sr. Rui.
Quanto às televisões, poderiam talvez mostrar em pormenor o quê, o como, e o quanto desse amor que grassou em Campo Maior.