Opinião

Outro género de coisa

3 nov 2016 00:00

Era o tempo do Dia-de-Todos-os-Santos. Dia em que as famílias iam visitar os seus entes queridos já falecidos, ao cemitério. Muito antes da comercialização das tradições, da vida. Muito antes do Halloween. Do Dia-das-Bruxas.

Na rua. Era na rua que vivia. Não que não tivesse casa. Tinha casa e família, mas passava a maior parte do tempo de miúdo na rua. Com as outras crianças da Rua, do Bairro, na rua.

Ao fim-de-semana, nas férias, mesmo durante a semana de aulas, depois dos trabalhos-de-casa, muito menos que as resmas que os meninos de hoje carregam consigo da escola para casa, passava a vida na rua, com as outras crianças, a procurar os nossos Rochedos do Demónio ou outra aventura dos Cinco ou dos Sete do qual nos apropriávamos.

Era normal ouvir-se Ó Pedro!, Ó Rui!, as vozes das mães que da janela da cozinha ultimavam os filhos para o almoço, ou para o jantar, e que os jogos da bola, a apanhada, as escondidas ou outro qualquer jogo que obrigava a correr, a transpirar e a gastar energia nos fazia esquecer as obrigações familiares, mas que depressa nos trazia para a realidade: o pai já estava à mesa!

Nesses tempos havia alguns rituais como o Ó tia dá bolinho?, que também era Pão por Deus!, e que levava a criançada toda do bairro a percorrer as casas da vizinhança para encher um saco de pano (o saco do pão!) de guloseimas e broinhas e algumas moedas, que nos iriam fazer sofrer algumas dores de barriga do exagero de guloseimas. Era o tempo do Dia-de-Todos-os-Santos. Dia em que as famílias iam visitar os seus entes queridos já falecidos, ao cemitério. Muito antes da comercialização das tradições, da vida. Muito antes do Halloween. Do Dia-das-Bruxas. Muito antes de todo este ritual se circunscrever a pequenas zonas muito limitadas, bem controladas pelos pais, por vezes até sem sair do mesmo prédio. E isto, onde ainda há.

*Cineasta

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