Opinião
Pensar de novo
Lidera-se quando face às adversidades se encontram soluções.
De todas as vezes que me cabe escrever este modesto apontamento para o Jornal de Leiria, a principal dificuldade é a de saber sobre que falar.
Por vezes ando à cata de um episódio, de uma qualquer metáfora ou mesmo de uma ou outra reflexão que me ocorre e julgo minimamente capaz de ser partilhada.
A data limite de entrega é na segunda-feira que antecede a publicação.
Hoje, como quase sempre acontece, estou a escrever resvés a hora que me é dada.
Com uma diferença, porém, a previsibilidade do nosso quotidiano está profundamente alterada face à pandemia que nos toca, infelizmente de modo direto para alguns, indiretamente a todos.
Assim, o que hoje aqui se escreve poderá ser de todo desconforme com a situação que estaremos a viver aquando da edição deste nosso jornal.
Naturalmente que muito, e quase em exclusivo, o tema do Codiv-19 é o primeiro em todas as notícias, em todas as conversas.
Por vezes de modo sensato e refletido, o que permite acautelarmo-nos e aos nossos dentro do possível.
Outras nem tanto, com ideias veiculadas por profetas da desgraça ou oportunistas de ocasião.
Contudo, chegam-nos notícias e relatos que merecem a nossa melhor atenção.
Na edição do Expresso do passado sábado, Tolentino de Mendonça chamava a atenção para a nova realidade vivida na cidade italiana de Codogno, situada na agora “zona vermelha” do país, isolada como medida de contenção.
Descrevia que estando interdita a circulação em escolas, serviços públicos e espaços religiosos e culturais, os habitantes passaram a frequentar com assiduidade zonas pedonais, ciclovias e ruas.
Encontravam-se falavam entre si, estabeleciam contactos com outros que antes nunca tinham abordado.
Que entre si se estabelecia uma rede de apoio informal, mas solidária, com a cedência de bens de primeira necessidade que começam a escassear.
Sempre pensei que há uma abismal diferença entre liderar e mandar.
A primeira é bem mais difícil.
Lidera-se quando face às adversidades se encontram soluções.
Manda-se, quando se dá ordens, coisa fácil de fazer e imediata, sobretudo porque se imputa a quem é mandado a responsabilidade do que advirá da ordem dada.
Pelo que me é dado entender, as gentes de Codogno tomaram para si a liderança do seu quotidiano imediato.
Pensaram de novo a cidade e como viver nela perante o caos que se instalou, tomaram nas suas mãos a decisão do seu viver enquanto a situação anómala se mantiver.
Segundo o relato de um jornal local, há mesmo um outdoor produzido por uma associação local onde se pode ler: “Codogno é uma doença que não nos larga mais”.
É inevitável que o Codiv-19 nos alterará os dias.
O impacto será sentido por todos e todos teremos que estar preparados para ele por via da maleita em termos de saúde pública, quer pelas repercussões no nosso dia-a-dia com desequilíbrios financeiros por arrasto.
Resta-nos liderar a nossa existência comum e tirar da situação emergente as lições que dela formos capazes.
Talvez mesmo, pensar de novo o modo como poderemos estar uns com os outros.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990