Editorial
Pobreza envergonhada
Esta semana amanheceu com a divulgação dos resultados de um estudo sobre a pobreza em Portugal
Ficámos a saber, através da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que, no nosso País, já não é suficiente ter um trabalho para assegurar o pagamento das despesas com as necessidades básicas.
Ficámos a saber também que um em cada três portugueses pobres tem o seu emprego, cumpre os seus horários laborais, ajuda a alavancar a nossa economia, mas chega ao fim do mês a contar os cêntimos para poder pagar a renda da casa, colocar comida na mesa, comprar uma peça de roupa ou assegurar eventuais gastos com cuidados de saúde.
Mas o facto mais preocupante que salta à vista nesta investigação é que ela se baseou em dados de 2018.
Ou seja, antes do terramoto sanitário, económico e social que nos assola desde o início do ano passado. Se fosse agora, as vidas condensadas pelo risco de pobreza ultrapassariam seguramente o número de 1,7 milhões estimado no último Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística.
Basta bater à porta das instituições humanitárias e de solidariedade para perceber a dimensão deste constrangedor fenómeno.
Na região de Leiria, por exemplo, há organizações que registaram aumentos de 70% nos pedidos de ajuda. E, ao contrário do que acontecia antes, estes pedidos de auxílio já não visam apenas satisfazer as necessidades de alimentação e vestuário.
Às organizações estão a chegar cada vez mais apelos desesperados de famílias sem meios para pagar as despesas da água, da electricidade ou dos medicamentos.
É a realidade nua e crua, que não se compadece com palmadinhas nas costas, manifestações ocasionais de piedade, com planos de pomposa apresentação, mas de estéril execução.
Nesta fase de incerteza colectiva, desejam-se soluções visionárias, que assentem em alicerces estruturais, para um verdadeiro combate ao empobrecimento em Portugal.
Exige-se união e sentido comunitário. Vale a pena recordar, a este propósito, a facilidade com que se pode quebrar um solitário ramo seco, quando, se tivermos um conjunto de ramos agrupados ou entrelaçados, a resistência será seguramente muito maior.
Metaforicamente, esta diferença de solidez pode sugerir-nos a força da resiliência, da capacidade de resistir e de reagir.
Literalmente, este será o único caminho que pode desviar muitas famílias de um destino inesperado: a pobreza envergonhada.