Opinião
Revolução
Construir futuro dá trabalho, é um projeto exigente, que requer valores como solidariedade, justiça, partilha, união, amor
Um dos meus livros infantis favoritos chama-se A Revolução (Slawomir Mrozek), e conta a história de um homem que um dia, no universo do seu quarto, decide fazer uma revolução - farto que está do estado das coisas. Começa a mudar os móveis de sítio e, não contente com mudança tão mundana, decide fazer outras mais drásticas, como dormir em pé no armário. Depressa se apercebe, pelo desconforto e absurdo da sua nova realidade, que a mudança se revelou, afinal, num mudar apenas por mudar. Coisas e livros que me ocorrem um dia depois das eleições…
Ocorre-me também, com esta pequena estória, que é preciso pensar que, fora do nosso quarto, a Revolução está necessariamente um passo à frente da revolta (ou do enfado), porque para a fazer - a Revolução - é preciso defender a alegria, organizar a raiva, e saber construir futuro. Mesmo quando se quer (legitimamente) que o futuro seja já hoje.
Construir futuro dá trabalho, é um projeto exigente, que requer valores como solidariedade, justiça, partilha, união, amor. Pode também significar luta, é certo. Mas, também com o tempo, os mais distraídos entenderão que luta é diferente de guerra, ódio, ou competição - valores esses do tempo da outra senhora, em nada revolucionários.
Não nos deixemos, então, enganar por quem grita revolução sem saber como a fazer. Não nos confundamos a nós próprios, achando que até nos identificamos com os gritos que exigem mudança, ou sentindo vergonha e dúvida por querermos uma também. A mudança é necessária - não há a menor dúvida! Mas é preciso ver com clareza o sentido que ela deve tomar. E é preciso, acima de tudo, que faça sentido.
No fim da história de Mrozek, o homem chega à conclusão que as mudanças só lhe trouxeram chatices, e que o sofá do quarto afinal estava bem onde estava e servia bem como estava. Mas regozija-se na epifania que tanta mudança lhe proporcionou: “às vezes é preciso mudar, para que tudo fique na mesma”. Várias coisas poderiam ser ditas sobre isto, mas para os dias que correm, fico-me pela questão de Afonso Cruz sobre esta obra: “No final, poderão os sofás derrotar as utopias?”