Opinião
Não parem de falar da Palestina
Já vamos em três meses de massacre genocida em Gaza, e todos nós, aqui no conforto do Ocidente
Tinha pensado começar 2024 com uma nota sobre solidariedade e de como a grande vitória do sistema capitalista é pôr toda a gente a pensar que conseguimos tudo sozinhos com a força do nosso trabalho, sem ter de contar com mais ninguém - e se não conseguimos é porque somos uns preguiçosos parasitas inúteis.
Depois pensei que seria melhor começar numa nota mais leve e otimista, em que procuraria inspirar quem lê a reconectar-se com a Natureza - dar umas dicas sobre o ambiente, a biodiversidade, trazer uma epifania naturalista que lembrasse que nós somos a Natureza e a Natureza somos nós.
Também teria sido importante voltar ao assunto da habitação, e alertar desde já que dia 27 de janeiro será mais um dia de luta e de reivindicar uma Casa para Todos…
Mas já vamos em três meses de massacre genocida em Gaza, e todos nós, aqui no conforto do Ocidente, continuamos a aceitar que o Estado terrorista de Israel bombardeie sem qualquer critério legal ou moral, qualquer dó, um povo inteiro.
Como podemos continuar a sancionar um “direito à defesa” absolutamente facínora?
Se um grupo de homens armados entrasse num estádio cheio e arrastasse para os balneários 50 pessoas, e começasse a fazer reivindicações ameaçando fazer e acontecer se elas não fossem atendidas, há alguém que achasse razoável mandar-se abaixo com mil bombas o estádio inteiro com toda a gente que lá estivesse, e a seguir impedir que ajuda médica, água, comida entrassem para conter os danos?
Esta é a realidade em Gaza - já nem vou entrar pela história, pelo contexto, pelo “não aconteceu no vácuo” - e nós achamos normal e aceitável esta forma de lidar.
Esta desumanização.
Não, não dá para falar de outras coisas.
Não dá para parar de falar da Palestina e de todos e cada um dos corpos palestinianos que perecem em resistência.
Em desespero.
Em agonia.
Em coragem.
Em querer existir e permanecer.
E se tantos palestinianos tiveram de morrer, temos ainda de fazer tudo para garantir que outros vivam.
Para contarem a história.
Para trazerem esperança e serem o conto que não deixe esquecer nunca o que ali se passou - como nos pediu Refaat Alareer antes de morrer, também ele, ante a imoralidade e crueldade dos senhores da guerra.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990