Opinião
RIP SNS
A minha paciente (médica de profissão) dizia-me que estava cansada de lutar pelo SNS, pelo acesso democrático a um bem essencial que é a saúde
Ultimamente parece que só assistimos a retrocessos sociais. As urgências obstétricas continuam fechadas, continuam bebés a nascer em ambulâncias ou em carros e mulheres grávidas e os seus bebés continuam a falecer. Isto num país que já se orgulhou de ter a mais baixa taxa de mortalidade materno-infantil do mundo. Sim, porque também somos número em coisas boas. Ou éramos.
Na semana passada saiu uma notícia no jornal Público que diz que mais de um terço dos portugueses (cerca de 35,4%) tem dupla cobertura de saúde, ou seja, tem acesso ao SNS e tem seguro de saúde. Um valor três vezes superior à média europeia. Ora mais do que olhar para os números, há que pensar os números.
Isto deve-se a um desinvestimento no SNS por parte dos governos, uma incapacidade de resposta por parte do SNS às solicitações dos utentes (por falta de pessoal e recursos), assim como um crescente receio da população e desconfiança relativamente à eficácia do SNS. Mais uma vez isto não deixa de ser uma pescadinha de rabo na boca.
Os privados aumentam a sua capacidade de resposta devido à procura, o Governo continua a delapidar os recursos do SNS e só os mais vulneráveis e sem meios vão recorrer aos serviços públicos. A qualidade do serviço decresce. Se não soubesse que estamos em Portugal, diria que estava a falar de uma realidade de terceiro mundo.
Como se não bastasse, a semana passada uma das minhas pacientes (médica de profissão) foi atacada no seu local de trabalho (um espaço de saúde pública) por utentes. E porquê? Porque cumpriu diretrizes e se recusou a passar baixa médica sem justificação válida. Na prática ela só queria observar o doente. A violência contra profissionais de saúde aumentou exponencialmente.
Não vou falar dos professores e das escolas mas segue a mesma tendência. Mas isto é mais sintoma de um sistema doente. E a minha paciente dizia-me que estava cansada de lutar pelo SNS, pelo acesso democrático a um bem essencial que é a saúde (como a educação). Que toda a polémica com os médicos tarefeiros não passa de propaganda política. E depois estivemos a fazer contas sobre a proposta do Governo. Depois dos impostos, o valor hora do médico era ridículo. Não vale a pena levar “porrada” para isto. Literal e figurativamente!
E vai a senhora ministra esta semana em romaria pelo SNS para ver as suas fragilidades. Fantochada. Se ainda não está devidamente informada, então nada está a fazer no seu cargo.
Por último, quero deixar a minha nota de louvor ao SNS nomeadamente o serviço de obstetrícia do Hospital de Santo André. Este ano tive o privilégio (já não parece um direito) de ser muito bem atendida numa cesariana de urgência pois tive complicações graves no final da minha gravidez. Tivesse eu apanhado as urgências fechadas e não estaria aqui hoje para vos escrever. Olhando para a situação atual diria que ganhei o Euromilhões.
RIP SNS. Foste um orgulho nacional e internacional.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990