Opinião
Todos juntos, agora lá fora
Para que o organismo urbano reduza a densidade de suas circulações e privilegie o peão, é importante implementar pequenos mercados de rua, por áreas de cidade em parte do dia e em dias alternados
“…Esta fachada oceânica de uma península pela maior parte interior e mediterrânea é um desses locais privilegiados pelo encontro de influências naturais e humanas.
… os espíritos reflexivos compreendem que, por debaixo do arcaísmo pitoresco dos modos de existência, estão as raízes da própria civilização, que se criou aqui banhada de sol quente e debaixo do céu luminoso…”
In Mediterrâneo - Ambiente e Tradição de Orlando Ribeiro
Vivemos um processo de consciência do gesto e seus tempos - movimento e repouso.
Ficámos muito dentro, não sabemos muito do que aí se passou, mas para fora muitos não foram, cumprindo assim a acção primeira – distanciamento social - que anulou o espaço de sua afirmação - o fora.
O fora inclui o espaço público, que tendo uma relação directa com o espaço privado é outra coisa que o sobrante.
A cidade é a maior obra colectiva e essa sua inclusividade deve ser estruturante para qualquer plano.
Se as nossas casas, para quem tem, são o tecto onde muitos nos abrigámos, o lá fora abrigou e incluiu muitos mais. E os que estiveram dentro também querem fora e lá fora tem uma medida que é a natureza, que nos inclui.
Estamos a voltar e com voltar quero dizer sair de dentro. A rua parece-me o Minecraft que o meu filho joga.
A fluidez do espaço exterior passou a grelha na forma como se “fracteliza”.
O que aprendemos com o confinamento e o que estamos disponíveis para mudar?
Agora queremos rua e sabemos que somos “… civilização, que se criou aqui banhada de sol quente e debaixo do céu luminoso”.
Este ímpeto é civilizacional.
Somos os mesmos mais a consciência da invisível presença do outro e dos outros que virão. E somos nós humanos em toda a nossa plenitude que reclamamos o espaço de nossa cidadania e da nossa medida – do peão.
Se vejo grelha Minecraft, também vejo curva e diagonal e este espaço de atravessamento e estar é meu enquanto peão.
E peão precisa de: condições sanitárias mínimas – água para beber e higienizar e instalações sanitárias; regulares distâncias e defini-las nas praças, nas entradas do comércio e serviços (todos aceitamos que os campos de jogos tenham sua linha de demarcação, para percurso alargado e marcação de penalti); aumentar passeios, que são seus; das ruas e das praças com ensombramento, refrigeração e participação dos seus habitantes na sua manutenção (uma trepadeira de 0.30m à porta de suas casas são muitos metros quadrados de verde).
Para que o organismo urbano reduza a densidade de suas circulações e privilegie o peão, é importante implementar pequenos mercados de rua, por áreas de cidade em parte do dia e em dias alternados, o pequeno comércio deve poder expandir-se para o exterior, os circuitos de emergência e ciclovias têm que ser definidos e de continuidade; as cargas e descargas de mercadorias devem regular os horários, a bicicleta deve ser incentivada.
Muitas das acções que refiro podem acontecer no imediato, basta vontade, plano, trinchas e tinta.
Lavar as mãos, beber água, andar na rua, falar com os outros, andar de bicicleta são mínimos funcionais que permitem responder localmente ao gesto global – higienização e distanciamento social e juntos.