Opinião

Tudo me justifica

26 dez 2025 16:20

O pensamento extremista denigre-nos como demasiado sensíveis, permissivos, incriteriosos e indigentes

O ceramista Carlos Manuel Gonçalves (que já expôs no Teatro José Lúcio da Silva) tem uma peça que é uma garrafa de litro de NOÇÃO. Além de ser incrível (como toda a sua criação) tem um simbolismo certeiro nos dias que correm, onde toda a gente acha que o mundo gira à sua volta e que os factos servem meramente para apoiarem as suas opiniões. 

Em 1787, no prefácio da segunda edição à obra Crítica da Razão Pura, o nosso amado Emanuel Kant, falava, grosso modo, do deslocamento do foco do pensamento do objeto para o sujeito, conferindo centralidade ao “como se pensa” e não somente “sobre o que se pensa”. 

De facto, Kant não esperaria que a “subjetividade” nos explodisse na cara pela ação corrosiva das redes sociais e conectividade e, quem sabe, agora metesse marcha-atrás, para, pelo menos, reconhecermos o objeto do nosso pensamento, que tem de ser muito mais que um arrevesado molho de teorias marialvas que nos fazem sentir na posse da verdade sobre os assuntos atuais como especialistas deste grande nada que é o nosso tudo.

Estamos a emitir uma quantidade tóxica de carbono mental para a atmosfera da inteligência colectiva e esse gás nocivo está a trazer-nos a consequência de uma divisão cruel a todos os níveis. O pensamento woke assume-nos a todos como racistas, corruptos, socialmente inábeis, culturalmente daltónicos.

Tudo me justifica. À direita, à esquerda, ao centro: todos gritam e ninguém tem razão. Lá fora e cá dentro toda a gente diz do que gosta, do que não gosta, como se isso interessasse à chuva que cai e à relva que cresce.  

Tudo quanto, como e que existe não está lá para nos justificar. Se nos dividem, dividindo-nos, é porque nos querem conquistar, se é que ainda não o fizeram.

Neste Natal, demos a nós próprios o presente do tempo da reflexão, que nos faça ouvir o outro sem o atropelar na nossa pressa de ser melhor que ele. 

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990