Sociedade

Aprenderemos a lição?

22 jun 2017 00:00

Poderá a tragédia de Pedrógão Grande ser uma janela de oportunidade para mudarmos o paradigma de floresta em Portugal? Os especialistas respondem com “nim”. Pode, se houver “coragem política”

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Maria Anabela Silva

Sessenta e quatro mortos, pelo menos, 180 feridos, cerca de 30 mil hectares de floresta ardida (três vezes a dimensão do concelho de Lisboa), um número ainda indeterminado de casas destruídas, quilómetros de estradas e de redes de electricidade e água danificadas.

A crueza dos números, ainda provisórios, ilustra, de alguma forma, a dimensão da tragédia que se abateu sobre Pedrógão Grande e que se estendeu também aos municípios de Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos.

Ainda com o incêndio a lavrar, o presidente da Câmara de Pedrógão Grande admitia que o concelho ficou “a zero” ao nível das infra-estruturas e “mais de 95%” da floresta ardeu. O levantamento dos danos já está terreno e, dentro de dez dias, o grupo de trabalho criado para o efeito, apresentará o diagnóstico “completo dos prejuízos” e “medidas concretas para pôr no terreno”.

Isso mesmo foi prometido, ontem, quarta-feira, pelo ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, no final de uma reunião realizada na Câmara de Pedrógão Grande, com o governante a sublinhar as prioridades: “reconstrução das habitações e recuperação do potencial agrícola (armazéns e maquinaria) e da situação das empresas afectadas e das infra-estruturas municipais e rede viária”.

O ministro adiantou ainda que o financiamento virá do quadro comunitário Portugal 2020, do Fundo de Solidariedade da União Europeia e das muitas campanhas de solidariedade que já estão em curso. Além de balanço, os próximos tempos serão também de avaliação do que correu mal neste incêndio ao nível do combate, da coordenação, das comunicações ou da protecção das pessoas.

Já se sabe, por exemplo, que o sistema de comunicações SIRESP falhou durante várias horas, mas, neste momento, há mais interrogações do que respostas. O que podemos aprender com o drama de Pedrógão Grande?

Engenheiro agrário especialista em planificação e defesa do espaço rural, Pedro Cortes admite que possa haver correcções no combate aos incêndios, mas, frisa, o mais importante é apostar no ordenamento da floresta.

E, defende, “o tempo da reflexão acabou. A hora é de passar à acção”. Para Pedro Cortes, “é fundamental” evitar que as áreas ardidas caiam no abandono e que se aproveite a oportunidade de fazer “uma reflorestação a partir do zero” e seguindo aquilo que, há muitos anos, os técnicos têm vindo, “sem sucesso”, a reclamar como urgente: uma florestal assente em mosaicos “ajustados à realidade do terreno” e num “equilíbrio entre espécies mais e menos produtivas, entre resinosas e folhosas”.

No curto prazo, o técnico sublinha a importância de tirar as árvores queimadas e de “não se cometer a loucura de fazer mobilização de solos para novas plantações de eucaliptos”.

Para a associação ambientalista Quercus, depois da fase de combate e do apoio às vítimas, são necessárias medidas “firmes e rápidas” que conduzam a uma alteração “radical” do paradigma da floresta nacional. Para Domingos Patacho, dirigente da organização, “sem gestão e sem ordenamento” florestal, “a tragédia voltará a repetir-se”.

“São precisas políticas públicas que promovam o investimento no mundo rural e a criação de paisagens em mosaicos, mais resiliente aos incêndios”, diz o ambientalista, que defende a canalização de fundos comunitários para esta área e a criação de incentivos fiscais para a plantação de espécies mais resistentes ao fogo.

Emparcelamento, “doa a quem doer”
“Para prepararmos uma floresta, com um mosaico florestal, com espécies autóctones, com linhas cortafogo, temos de emparcelar", afirma, por sua vez, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses.

Em declarações à Agência Lusa, Jaime Marta Soares frisa que não se trata de "pôr em causa a propriedade privada, que essa é sagrada na Constituição Portuguesa", mas que é preciso "fazer ver às pessoas que o colectivo tem de se sobrepor ao individual, doa a que doer".

O problema, diz Joaquim Sande Silva, especialista em ecologia do fogo, é a “falta de coragem política” para fazer o que é necessário.

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