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Carlos Calika, organizador do Ha Ha Art Film Festival: “As raízes do cinema estão ligadas directamente à comédia”

2 set 2022 09:30

Cineclube de Pombal está a dinamizar um festival dedicado ao cinema de comédia

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Porquê um festival dedicado ao cinema de comédia, como o Ha Ha Art, que estão a organizar pela primeira vez?
Existem diversos festivais de cinema em Portugal mas nenhum dedicado à comédia. Mesmo a nível mundial são poucos os festivais que abraçam a comédia. Por isso mesmo decidimos apostar neste género cinematográfico. Fazer rir é uma arte, foi precisamente daí que surgiu o nome do festival.

As raízes da indústria de cinema estão, de certa forma, e até hoje, ligadas ao humor, com Charlie Chaplin e Buster Keaton, por exemplo.
As raízes do cinema estão ligadas directamente à comédia. O primeiro filme de ficção e o primeiro poster promocional criado para um filme foi precisamente para uma comédia. O filme L'Arroseur Arrosé, dos irmãos Lumière, marca por isso a história do cinema. Em 1895, um filme de comédia de 45 segundos mudou a indústria para sempre. O Charlot, por exemplo, continua a ser um dos artistas mais famosos do mundo ainda hoje. Seja qual for o país, cultura ou religião, existe ainda um enorme fascínio pelo nobre vagabundo. Chaplin e Keaton são ícones maiores do cinema, atraíram milhões de pessoas às salas de cinema e tornaram-se imortais através das gargalhadas que provocaram. Enquanto existirem seres humanos no universo certamente se falará desses astros e dos seus filmes de comédia, e continuaremos a rir com eles até à eternidade.

Os actores, realizadores e argumentistas de comédia, actualmente, são vistos como artistas menores?
A comédia apesar de ser a grande campeã de bilheteiras em Portugal continua a ser desprezada e vista como um género menor dentro do cinema. Diria que são artistas especializados. A comédia não é fácil de fazer, talvez por isso os rostos no ecrã sejam tão familiares ao espectador. Na realidade, muitos deles desenvolvem trabalho noutros géneros e demonstram que não são de todo artistas menores, muito pelo contrário.

Com as sessões competitivas do Ha Ha Art agendadas para Novembro, estão a receber o interesse que desejavam?
O interesse é enorme. Temos recebido vários filmes diariamente, as inscrições abriram oficialmente no dia 1 de Julho e já temos cerca de 200 curtas de 30 países.

Há muitos portugueses a concorrer?
Infelizmente, ainda não recebemos muitos filmes nacionais, a verdade é que não estamos nada surpreendidos. A produção em Portugal tem crescido nos últimos anos, mas obviamente continua aquém de outros países, continuam a faltar apoios para novos criadores. De qualquer forma estamos confiantes que, à boa maneira portuguesa, mais filmes serão submetidos perto do final das candidaturas.

É um desafio programar cinema com estas características num concelho da dimensão de Pombal?
Programar cinema em Portugal fora do circuito comercial não é fácil. Felizmente para nós a parceria com o Município de Pombal tem sido essencial desde a primeira hora. A programação é feita pelos membros do CCP - Cineclube de Pombal, semanalmente reunimos e discutimos os filmes e estratégias de divulgação, essa é a parte fácil. Claro que existe toda a burocracia ligada às licenças de exibição pelas quais o CCP é também responsável, tal como preparar e apresentar as sessões do cineclube. Existem planos futuros para chegar a mais freguesias do concelho mas para já só conseguimos programar e exibir cinema alternativo em Pombal.

As sessões do Cineclube de Pombal, e também as sessões ao ar livre, este Verão, contribuem para manter vivo o cinema enquanto lugar de partilha e socialização?
Sem dúvida. Como podem imaginar Pombal é uma cidade com pouca actividade artística durante a semana, por isso termos uma média de 30 pessoas por sessão semanal do CCP é para nós uma vitória. As sessões ao ar livre vêm dar uma dimensão e projecção diferente às actividades do Cineclube. Na nossa primeira sessão ao ar livre estiveram presentes mais de 100 pessoas, o que é excelente. Vermos uma praça cheia com avós, pais e filhos a assistirem e a vibrarem com o mesmo filme, enche-nos de orgulho e dá-nos força para continuar a trabalhar cada vez mais e melhor para satisfazer esse público.

Ainda há público para o cinema em sala, no circuito comercial e fora dele, apesar da concorrência dos serviços de streaming?
Actualmente, o maior inimigo das salas de cinema a nível mundial é sem dúvida o vídeo on demand e as plataformas de streaming. Estas são apenas mais uma forma de ver cinema, mais cómoda sem dúvida, mas longe de ser a ideal. Quando vemos um filme em casa não existe essa partilha, o visionamento torna-se cada vez mais um acto solitário. É esse isolamento que o CCP pretende combater, levando as pessoas às salas de cinema que infelizmente estão a desaparecer por falta de público. É necessário mais do que nunca sair de casa, ver e discutir cinema em grupo. Na realidade é a sobrevivência da sétima arte como a conhecemos que está em causa.