Sociedade
“Escrevo muito melhor, mas muito melhor, do que qualquer outra coisa que possa fazer no teatro”
O professor e dramaturgo Luís Mourão na Impressão Digital desta semana.
Vai para uma ilha com os seus alunos e viaja naquelas companhias aéreas de pouca bagagem. Que material leva para ensinar?
Papel e lápis.
Não precisa de quadros interactivos?
Não. Mas se os tivesse era bom.
Um professor tem mais de actor ou de encenador?
Não tem nada de uma coisa nem da outra.
E um dramaturgo também é um educador?
Somos todos educadores uns dos outros.
As crianças reconhecem um bom espectáculo quando o vêem?
Algumas. Reconhecer um bom espectáculo pressupõe ter um olhar crítico atento e informado de avaliação, que é uma construção que requer pontos de referência e muito trabalho. A esperança é que este olhar esteja minimamente construído quando já forem mais velhos. O que as crianças reconhecem e apreciam imediatamente é um bom entretenimento, não um bom espectáculo.
São um público difícil?
São um público atento aos detalhes, aos pormenores, para quem todas as narrativas são ainda uma oportunidade para construir a sua própria história e nunca um obstáculo. Se crescessem assim seriam um público dificílimo, mas fantástico. A verdade é que é cada vez mais difícil crescer assim.
Costuma contar histórias? E quando são contos originais seus, também lhes acrescenta um ponto?
Gosto muito de contar histórias e acrescento-lhes sempre muitos pontos. Se forem minhas então…
Chegou ao curso do magistério primário por vocação, missão ou falta de escolha?
Porque achava que já era mais do que tempo de sair de casa e ir trabalhar. Existia então, quando se acabava o secundário, um ano de pausa antes de se poder ingressar na universidade. Era bom mas só para quem tinha dinheiro. Contas feitas, três anos de curso era na altura o máximo que podia esperar mas podia ter sido enfermeiro ou outra coisa qualquer. Entrei para o magistério porque escolhi, e ainda acho que escolhi bem.
O maior conhecimento que um professor pode transmitir é...
Que é caindo que aprendemos a levantarmo-nos.
E a pior coisa que um aluno lhe pode dizer?
Que não quer trabalhar. Seja qual for a frase que construa para o dizer.
Quando estava no sindicato dos professores, como dirigente, alguma vez deu por si a elogiar um ministro da Educação?
Sempre que o Ministério implementou medidas de valorização da escola pública, de promoção de uma educação sólida e coerente para todos, de construção dum processo de aprendizagem pensado para um futuro mais justo e mais interessante do que este presente. Para ser franco não me lembro de ter acontecido.
Nesses tempos usava luvas de boxe ou de pelica?
As luvas de boxe também são de pelica.
O ensino precisa de: a) escolas com boa arquitectura b) programas com boa arquitectura c) governos com boa arquitectura d) uma reforma.
O ensino precisa de se reinventar. E para isso só conversando de forma séria. Eu já acreditei que isso seria possível num horizonte visivel mas, já não acredito. Mesmo nas coisas pequenas qualquer conversa sobre a escola tornou-se um exercício de confronto com a ignorância e a estupidez, e se para a primeira ainda há remédio não há nada que nos valha quanto à segunda. Por exemplo? Há mais de um século o nosso ensino secundário abandonou a organização do calendário escolar por semestres porque esgotados, professores e alunos, a escola se parecia cada vez mais uma horta. No entanto alguns iluminados não encontraram agora nada melhor do que retomar a ideia de voltarmos atrás, desta vez com agravantes sérios e como se fosse novidade, coisa nunca vista e, pior, boa. Não tenho a certeza que seja só ignorância…
Está ligado ao teatro desde 1977. Sente-se mais realizado a escrever, a encenar ou a representar?
A escrever. Porque escrevo muito melhor, mas muito melhor, do que qualquer outra coisa que possa fazer no teatro.
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