Opinião

Ao lado

25 out 2025 16:29

Tornou-se uma especialidade nacional num instante isto do ignorar tudo aquilo que não nos toque diretamente

Não sei quantas pessoas andam por Portugal com a face coberta e parece que na verdade ninguém sabe mas não devem ser muitas porque eu nunca vi nenhuma ao vivo. E no entanto a direita parlamentar, o PSD, o Chega, o CDS e a IL não tiveram mais nada para fazer com a sua maioria absoluta a não ser elaborar e aprovar uma lei que proíbe o uso da “burca” no espaço público e à sua conta passarmos horas infindas a ouvir a mesma notícia e os mesmos comentadores a dizerem as mesmas coisas. Uma repetição enfadonha do que se passou em França, com as mesmas provocações, a mesma hipocrisia e os mesmos discursos inflamados embora com outros protagonistas. Uma enorme vergonha.

No mesmo dia ou no seguinte ficámos a saber, graças à PORDATA da Fundação Francisco Manuel dos Santos, os números relativamente rigorosos de portugueses que se encontram em risco de pobreza e exclusão social, são dois milhões e cem mil. Em 2022 eram um milhão e seiscentos e noventa e seis mil pessoas.

Alguns de vocês pelo menos concordam comigo quando digo que qualquer pessoa normal, situe-se onde se situar no espectro político, fica estarrecida perante esta realidade e, tendo os meios, tudo faria para a corrigir imediatamente. 

Por isso vimos como o discurso sobre as bocas tapadas em público foi substituído pelo das bocas que não têm nada para trincar em privado, ou não? Pois, não.

Outra enorme vergonha.

Lembram-se como os maridos davam monumentais cargas de porrada às respetivas esposas e os vizinhos que assistiam a tudo murmuravam antes de virar costas que “entre marido e mulher não se mete a colher”. Devem lembrar porque acontece hoje tal e qual.

Bom, tornou-se uma especialidade nacional num instante isto do ignorar tudo aquilo que não nos toque diretamente. À minha volta, entre as pessoas com quem me relaciono mais intimamente, ninguém usa “burca”? Porque raio haveria eu de me preocupar, já nem falo em reagir, por isso?

Ou, há trabalhadores que todos dias ou de vez em quando não têm nada para comer, uma casa para viver e outras miudezas semelhantes? Há. São os outros graças a Deus.

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990