Sociedade

Há cada vez mais portugueses a receber o salário mínimo. Como se vive com tão pouco dinheiro?

26 mai 2016 00:00

20% da população activa ganha o mínimo que a lei permite. Fomos ouvir quem não pode viver sem ajudas.

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Quando se viu no meio de um divórcio, com duas filhas a cargo, Alexandra Varalonga sabia que só havia um caminho – o da estabilidade. Que chegou, depois do regresso à casa de partida, que é como quem diz a mesa da mãe, na forma de salário mínimo e de renda barata numa aldeia dos arredores de Pombal. Amarguras? Sim. "Tipo chegar à última semana do mês sem dinheiro nenhum", conta ao Jornal de Leiria. E nesses momentos só resta aguentar, ou, com sorte, recorrer aos amigos e familiares que estendem a mão.

Desde 2003 a trabalhar como auxiliar de acção educativa numa instituição da Moita do Boi, Alexandra Varalonga teve de se resignar às circunstâncias da vida. "O que mais me custa é não lhes poder comprar umas sapatilhas ou uma peça de roupa", reconhece, falando das filhas, de 16 e 21 anos, que também já têm as suas fontes de rendimento, na área da música. Com a pensão de alimentos e as bolsas escolares, atenuam as dificuldades. "Todos nós gostávamos de receber mais, mas neste caso, que é um IPSS, a entidade patronal não consegue pagar mais. E, olhando às perspectivas no mercado, ou recebo o salário mínimo ou não recebo nada. Hoje em dia o ordenado mínimo é um ordenado médio", afirma.

"Uns têm tanto e outros nada"
O que sente alguém, depois de 30 anos a trabalhar pelo salário mínimo, quando escuta o argumento político de que é preciso aprender a viver com menos? "Revolta. Porque uns têm tanto e outros nada". As palavras saem sem hesitações, como quem as pensa dia após dia. Neste apartamento há seis bocas para alimentar. As limpezas num hotel da cidade de Leiria só fazem entrar 486 euros líquidos, o marido leva mais 600 euros, mas há um filho desempregado e outro com paralisia cerebral, que precisa de acompanhamento em instituição. Só nesta mensalidade, mais a renda, luz, água e gás, está mais do que um salário mínimo. E os outros dois irmãos, que regressaram a casa quando perderam o emprego, durante a crise, só agora estão de regresso ao mercado de trabalho. Há também uma neta, ainda criança, a quem é preciso garantir as refeições, de quando em vez, como acontece em todos os lares com avós e netos. "Tem de se aproveitar e organizar tudo".
Se os bens alimentares que a associação Colina do Castelo distribui dão para uma semana, às vezes menos do que uma semana, sobra nada ou quase nada. Justo? "Justo não é". Mas aos 59 anos, sobrecarregada por uma doença que desaconselha esforços, o corpo já se habituou a sacrifícios e nem a reforma vai mudar o dia de amanhã. 

"Eles são bons meninos e até entendem"
Outra família, outra geração, as mesmas dificuldades. Viver com 500 euros por mês tem sido a realidade deste casal de Leiria, recém-entrado nos trintas, desde que ele ficou desempregado e o único salário é o de ajudante de cozinha num lar de terceira idade gerido por uma instituição particular de solidariedade social. As despesas relacionadas com a casa (renda, luz, água, gás), um apartamento, são a maior dor de cabeça – representam em média 70% do rendimento disponível, logo, sobra pouco para alimentar e vestir os dois filhos, com 8 e 11 anos de idade. E depois há os gastos com educação e saúde (o mais velho tem diagnóstico de hiperactividade), que também são despesas fixas. Tudo isto significa viver sem folga, em circunstâncias que transformam em luxo o desejo de levar as crianças à Feira de Maio.

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