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Hádoc. Banda sonora para a guerra fria
Soundtrack for a Coup d’Etat passa esta terça-feira no Teatro Miguel Franco

Parceria JORNAL DE LEIRIA e Hádoc - Festival de Cinema Documental
Texto de Nuno Granja, coordenador e programador do Hádoc
Houve uma altura em que os filmes dos James Bond beiravam a verosimilhança. Foi um período que coincidiu com o início da Guerra Fria e em que parecia relativamente simples acreditar que o mundo se podia descrever a preto e branco. A geopolítica nunca foi monocromática mas, em boa verdade, a maioria dos registos em imagem foram largamente a preto e branco até bem perto do final da década de 1960, razão pela qual o filme de que vos falo hoje seja maioritariamente nestes tons.
Johan Grimonprez é um realizador belga, responsável pelo brilhante ensaio cinematográfico Soundtrack for a Coup d’Etat que recentemente esteve nomeado para Óscar de melhor documentário. Tomando como base o assassinato de Patrice Lumumba, levado a cabo em 1961 pela CIA, com conivência da Bélgica, Grimomprez traça um retrato do panorama político no continente africano neocolonialista. Lumumba era o primeiro ministro da atual República Democrática do Congo, antigo Congo-Belga ou Congo-Lóopoldville, jovem república africana,que na sequência da independência, e como tantos outros países africanos, se torna alvo das disputas entre os blocos capitalista e comunista. A Guerra Fria, entre os Estados Unidos da América e a União Soviética, geralmente através de poderes interpostos, assume na África pós-colonial, o expoente máximo, à medida que diversos países africanos se tornam independentes e sofrem sob os esforços de influência das duas potências, sequiosas de acesso aos recursos naturais daquele continente.
Curiosamente. uma das estratégias dos EUA, país ainda a braços com uma forte segregação racial no seu próprio território, passa pelo envio de “embaixadores”, como Louis Armstrong, Nina Simone ou Duke Ellington, acompanhados por “comitivas” da CIA, para conquistar a confiança dos povos africanos. Em sentido oposto, Abbey Lincoln e Max Roach são outros dois músicos de jazz que, após o assassinato de Lumumba fazem parte de um episódio caricato, em que invadem o Conselho de Segurança das Nações Unidas precisamente para protestar contra a execução do político congolês.
Grimonprez utiliza magistralmente estas contradições, peripécias e ligações ao mundo da música, e do jazz em particular, para construir uma narrativa não-linear e muito longe de uma abordagem factual e descritiva que um documentário comum poderia apresentar. Com uma banda sonora singular que ajuda a marcar um ritmo narrativo desconcertante, que obriga o espectador a uma postura atenta e crítica do primeiro ao último minuto, Soundtrack for a Coup d’Etat é uma obra-prima do cinema e do documentário.
8 de Abril, Teatro Miguel Franco, Leiria, 21h30
Soundtrack to a Coup d'Etat
de Johan Grimonprez
150 min. | Bélgica, França, Países Baixos | 2024 | m/12
Óscares 2025 – Nomeado Melhor Documentário
Sundance Film Festival 2024 – Vencedor Prémio Especial do Júri
International Documentary Association 2024 – Vencedor Melhor Argumento
Thessaloniki Documentary Film Festival 2024 – Vencedor Prémio do Público
+ curta-metragem
Na Floresta
de Corina Ilić e Thomas Horat
In the Woods | 13 min. | Suíça | 2017 | m/12