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Hugo Ferreira, fundador da editora Omnichord Records: "As consequências da queda de um sector como a cultura são inimagináveis"

14 jan 2021 16:17

Agentes culturais da região Centro preocupados com fecho de equipamentos durante o confinamento que se inicia esta sexta-feira

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Hugo Ferreira: "A grande maioria das pessoas do sector não quer viver de apoios, quer poder trabalhar"
Ricardo Graça
Redacção/Agência Lusa

“Há duas frases muito batidas: a cultura é segura e a cultura também salva. Não nos podemos esquecer que a nossa fé é a cultura e devia ser precisamente esse um ponto essencial. As consequências da queda de um setor como a cultura são inimagináveis. Perde-se a capacidade de pensar o mundo e de voltar a imaginar um novo futuro”. As palavras, em declarações à agência Lusa, são de Hugo Ferreira, presidente da cooperativa cultural Ccer Mais, que gere, entre outros, a editora Omnichord Records, de Leiria.

Perante um novo confinamento que fecha auditórios e outros equipamentos culturais, Hugo Ferreira, admite não entender “o paradoxo” de permitir manter espaços religiosos abertos e não os equipamentos culturais.

Para o fundador da Omnichord Records, que edita, por exemplo, Surma e First Breath After Coma, “este confinamento vai ser diferente”. Diz mesmo que programas “que se fizeram [no primeiro confinamento] mais virados para o online dificilmente se repetirão”, porque “as pessoas estão saturadas”.

“O que me preocupa muito mais é que não podemos parar. A grande maioria das pessoas do sector não quer viver de apoios, quer poder trabalhar. Se não é possível trabalhar nas salas, então que se prepare algo para pôr em execução, que se recebam projectos e candidaturas”, defendeu, ouvido pela agência Lusa.

Agentes e estruturas da região Centro manifestam-se preocupados com o encerramento dos equipamentos culturais durante o novo confinamento e muitos criticam a dualidade de critérios face aos espaços religiosos.

"É voltar atrás. Já estava a haver uma recuperação de hábitos, de que a cultura é segura e isto é um murro. Não ter sido dado um sinal sequer é muito negativo", afirmou à agência Lusa o director artístico do Trigo Limpo Teatro ACERT, em Tondela, José Rui Martins, referindo que a programação já foi toda cancelada.

O responsável considerou que a decisão do Governo de manter os espaços religiosos abertos, mas encerrar todos os equipamentos culturais, "é anacrónica" e salientou que os espaços são seguros, devendo ser equiparados ao comércio, porque a cultura é "um bem imaterial de primeira necessidade".

"Devia ser analisado o papel que a cultura pode desempenhar como produto de primeira necessidade para a alma", vincou, salientando que, durante o desconfinamento, o público aderiu "muitíssimo" às propostas da companhia, porque "estavam a precisar de cultura".

O director do Teatro das Beiras, Fernando Sena, também não consegue "compreender a dualidade de critérios".

"Não me parece que os espaços religiosos sejam mais seguros do que os culturais. Isto acaba por ser uma medida política, que não terá muito a ver com a situação da pandemia", notou.

O responsável salientou que está preocupado com a situação dos artistas que trabalham a recibos verdes, que ficarão "numa situação muito difícil".

A Amarelo Silvestre, companhia de Canas de Senhorim, conta, tal como o Teatro das Beiras, com apoio sustentado da Direcção Geral das Artes e, nesse sentido, as preocupações financeiras não se sentem tanto como noutras estruturas sem esse apoio.

No entanto, o director da companhia, Fernando Giestas, alerta para outros problemas que vão começar a surgir com os sucessivos reagendamentos de espectáculos.

"Tudo está a ser adiado de maneira perigosa e como os teatros estão e estiveram a adiar tudo, vamos chegar a 2022 com uma sobreposição de projectos e os teatros não vão conseguir ter mão para tudo", constatou.

"Já viemos de um ciclo de destruição do tecido cultural e com a ausência de medidas concretas de apoio à classe, com este novo confinamento, as expectativas são as piores possíveis", disse à Lusa a diretora d'O Teatrão, Isabel Craveiro, referindo que essa não é a situação da companhia de Coimbra, que tem apoio sustentado, mas realçou que a grande maioria dos profissionais "vão ver aprofundada a falta de protecção e de apoio".

Isabel Craveiro afirmou que se sente "apavorada" pelo que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, possa anunciar de medidas de apoio ao sector, porque "tudo o que foi feito até agora foi muito pouco".

João Silva, coordenador da Blue House, em Coimbra, que trabalha com 80 músicos da cidade, considera que, com este confinamento, o Governo perdeu uma oportunidade "para mostrar que a cultura pode ser essencial".

Silva referiu que "da mesma forma que as pessoas necessitam de comprar o pão e o leite, também precisam de assistir a uma peça de teatro, cinema ou um concerto".

O coordenador da Blue House considera que este mês sem actividade poderá ser "a gota final" para muitos músicos e técnicos que já estavam numa situação muito difícil.

"2020 não foi fácil para a Blue House manter todas as suas obrigações, mas aguentou-se e no último trimestre do ano, em que fizemos mais de 60 eventos com vários agentes da cidade, foi também para dar algo que motive os músicos com que trabalhamos, que, sem perspectivas de concertos, acabam por entrar numa espiral de buraco negro psicológico", realçou.