Viver

Korrodi, o filho suíço de Leiria

6 fev 2020 00:00

Legado Com a mostra Ernesto Korrodi, Além da Arquitectura, Leiria celebra 150 anos sobre o nascimento do arquitecto de origem suíça, naturalizado português e radicado na cidade, que dedicou parte da sua vida ao estudo e proposta de restauro do Castelo de Leiria, tendo deixado a sua marca no relevo urbano local e da região

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CIEK ajuda a entender a obra de Ernesto Korrodi
Ricardo Graça
Jacinto Silva Duro

O antigo edifício do Banco de Portugal, em Leiria, é uma mais belos e visíveis exemplos de arquitectura saída do estirador de Ernesto Korrodi.

À entrada, o visitante mais atento consegue até descortinar, nas pedras da ombreira da grande porta, inscritas a lápis, anotações do mestre. É, por isso, natural, que a autarquia tenha escolhido o espaço para instalar o Centro de Interpretação Ernesto Korrodi (CIEK), que, desde sábado, faz parte da mostra permanente do Banco das Artes Galeria (BAG), galeria municipal de Leiria.

Dentro do edifício, encontramos também a mostra Ernesto Korrodi, Além da Arquitectura, que se divide em cinco núcleos, e estará patente até ao dia 3 de Maio.

A sala e os conteúdos começaram a ser trabalhados há cerca de dois anos por uma equipa de nove pessoas, que contactaram familiares, correram sótãos, embrenharam-se em arquivos públicos e privados, tendo em vista a estruturação da vida e obra do arquitecto, de forma cronológica.

Korrodi haveria de ser um dos principais impulsionadores da reconstrução do castelo de Leiria e, embora durante décadas muitos tenham apontado "exageros" nas suas opções estéticas para o restauro, cada vez mais investigadores aceitam que as opções do arquitecto fazem sentido.

O seu nome, que haveria de designar uma corrente de arquitectura marcada por elementos decorativos vistos noutros estilos como a art nouveau, está indissociavelmente ligado a Leiria e ao seu panorama urbanístico.

Nascido Ernst Korrodi, em Zurique, Suíça, a 31 de Janeiro de 1870, aceitou um convite, ainda antes do dobrar do século, para se fixar em Portugal para dar aulas no Ensino Técnico, a partir de uma medida levada a cabo pelo rei D. Carlos. Tinha 19 anos.

 

Recém formado, o jovem instala-se como docente de Desenho e Modelação, em Braga, mas, rapidamente, se apaixona por Leiria que, até então, rezam as crónicas, era uma espécie de "Sintra à beira Lis", cheia de casas burguesas, simpática e arejada, com um jardim, um teatro e... um castelo saído dos contos de fadas, a precisar de carinho e amor.

Centro interpretativo interactivo

A visita à exposição comemorativa começa pela direita do grande átrio. No meio da sala do CIEK, está uma mesa interactiva que dá acesso a conteúdos relativos à obra de Korrodi, em três grandes livros de páginas brancas que se enchem de conteúdos a partir de uma projecção multimédia.

Um é dedicado ao desenho, outro aos projectos de arquitectura, incluindo os estudos, levantamentos e propostas de restauro realizados às ruínas do Castelo de Leiria, e, por fim, o último é dedicado apenas aos projectos de arquitectura pública de Leiria, como o Banco de Portugal, o Mercado de Sant'Ana, os Paços de Concelho e alguns prédios de rendimento.

A responsável pelo BAG, Ana David, explica que este núcleo servirá como fundamento para um roteiro Korrodi pela cidade. "Depois, ao sair à rua, os visitantes poderão fazer uma rota pela cidade. Também queremos ter um serviço de visitas guiadas mensais." 

Convocar o Jardim para dentro da galeria

A Project Room, à esquerda do átrio, faz a ligação entre o edifício do BAG e o Jardim Luís de Camões, que foi fortemente intervencionado por Korrodi e se pode entrever pelas janelas.

A artista convidada para "convocar o jardim para dentro da galeria" foi a arquitecta Ana Bonifácio, natural da Marinha Grande, que criou Mais Chão Público Por Favor, uma instalação a partir de cerca de 700 massarocas de magnólias que colheu no espaço verde, que nos faz pensar na relação entre o património natural e o construído.

E é pela Project Room que se entra no primeiro núcleo da exposição Ernesto Korrodi, Além da Arquitectura. No centro da sala, há uma mesa com 12 cadernos cheios de desenhos e gravuras realizados pela mão do arquitecto.

Sem muito esforço, quase vislumbramos o suíço de porte ligeiro e barba e cabelos brancos, dedos sujos de carvão, a traçar linhas em movimentos largos nas folhas de algodão.

A ilusão de movimento em algumas imagens é tal, que temos a sensação de estarmos a observar imagens saídas de um projector cinematográfico.

Korrodi retratou vários monumentos e cidades nacionais, criando um documento histórico precioso para se entender a realidade do final do século XIX.

Os mosteiros de Alcobaça, Batalha e Tomar e os castelos de Guimarães, Leiria, Ourém e Porto de Mós aparecem nas páginas expostas.

Num canto da sala, uma mesa de luz "analógica e interactiva" permite decalcar por cima das gravuras da velha fortaleza, para que os visitantes percebam a minúcia e o rigor necessários para se conseguir desenhar aquelas representações e projectar as perspectivas.

Aqui também se percebe que os desenhos e proposta de reconstrução tive- ram por base um grande levantamento fotográfico.

Numa das imagens, há mesmo uma proposta para criação do Museu Histórico e Artístico de Leiria, na ruína da Igreja da Pena, um edifício que só agora, 125 anos depois, está a ser alvo de uma intervenção que prevê uma nova utilização do espaço.

"Ele queria associar esse museu a uma escola onde os alunos aprendessem a trabalhar a pedra. Em 1905, concretiza a criação de uma oficina de cantaria, que dará resposta ao restauro do castelo e cons- trução dos Paços de Concelho de Leiria, mas não será naquele espaço", conta Ana David. 

A carta, escrita pelo punho do rei D. Carlos, outro amante das artes e das ciências, a atribuir-lhe a Comenda da Ordem de São Tiago de Mérito Científico, Literário e Artístico, também se encontra nesta sala, bem como um estudo e levantamento do Mosteiro de Alcobaça, datado de 1929, que ele dedicou ao amigo Narciso Costa.

Subida a passadeira vermelha que cobre as escadas de acesso ao primeiro piso, encontram-se várias pinturas e aguarelas que o arquitecto produziu a partir das férias da família, espaços naturais que visitou e da sua Villa Hortência, a residência da família que, ainda hoje se ergue na Rua Capitão Mouzinho de Albuquerque, junto ao Mercado Municipal de Leiria.

 

Roteiros
Conferências orientadas por José Manuel Fernandes
 
"O propósito desta exposição é de celebrar os 150 anos do nascimento de Korrodi e fazer justiça ao seu legado, que não é apenas de Leiria, mas de todo o País", afirma a vereadora da Cultura, Anabela Graça, sublinhando que é dele uma das marcas mais duradouras na arquitectura da cidade.
"Esta exposição tem ainda um significado simbólica por estar alojada numa das casas de Korrodi; o antigo edifício do Banco de Portugal."

Segundo a autarca, espera-se que o Centro de Interpretação Ernesto Korrodi (CIEK) possa alimentar a educação e a mediação cultural, dedicadas à vida e obra do arquitecto.

"Ao longo deste ano, além da sala interactiva, iremos criar roteiros e um ciclo de conferências cujo comissário será o arquitecto José Manuel Fernandes, entre outra programação cultural, incluindo música, a partir da exposição temporária."

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