Abertura

O ar que partilhamos

25 jun 2020 13:00

Saúde | Com a chegada do Verão e o regresso a escritórios que dependem de ar condicionado para manterem condições de conforto, há questões que se colocam com a transmissão da Covid-19, que nos levam a indagar as razões de, num clima temperado, se desprezarem soluções naturais e arquitectónicas para manter o conforto ambiente nos lares e locais de trabalho

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Casas mais antigas têm uma abordagem mais orgânica às questões de climatização, usando elementos arquitectónicos
Ricardo Graça
Jacinto Silva Duro

Segundo um artigo publicado na revista online Emerging Infectious Diseases, do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), “o forte fluxo de ar do ar condicionado pode ter propagado gotículas de respiração” e servido como meio de transmissão de Covid-19.

O estudo foi liderado pelo investigador Jianyun Lu, do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças de Guangzhou, na China, que analisou o caso de três famílias que apresentaram sintomas de Covid-19, depois de terem jantado no mesmo restaurante, concluindo que o contágio foi causado pela transmissão de gotículas, através do ar condicionado do estabelecimento.

As conclusões não são finais e têm sido contestadas por várias entidades, entre elas a Associação dos Instaladores de Portugal (AIPOR) que, num comunicado emitido esta segunda- feira, afirmou que a utilização de equipamento de ar condicionado “é segura”.

“Não existindo risco acrescido de transmissão do vírus SARS-Cov-2.” Celeste Campinho, presidente da AIPOR, afirma mesmo que a ideia de que o ar condicionado “propaga coronavirus ou qualquer outro vírus é completamente errada pois o mesmo não só não aumenta a carga viral, como a diminui pelo seu efeito de difusão e diluição no ar”.

Segundo a AIPOR foram instalados mais de três milhões de aparelhos de ar condicionado nos últimos 15 anos, em Portugal. Contudo, sem um estudo alargado e definitivo sobre o assunto, as dúvidas persistem.

Com a chegada do tempo quente, com mais empresas a desconfinar e com os seus colaboradores a regressarem para edifícios que, por vezes, apenas são suportáveis através do emprego de soluções de climatização, poderemos sentir-nos seguros?

Falámos com quem desenha os novos edifícios para perceber por que razões, num clima temperado como o nosso, embora com grandes amplitudes térmicas ao longo do ano, se continua a desprezar as soluções naturais e arquitectónicas e se opta por aparelhos de ar condicionado para manter o conforto nos lares e locais de trabalho.

“Os sistemas de ar condicionado são seguros, o que acontece, do meu ponto de vista, é que eles são dimensionados para a climatização e não para a circulação e renovação do ar”, entende o arquitecto Frederico Barosa, a quem este tema há muito incomoda.

Defende que se deveria instalar dois sistemas nos lares, cafés ou locais de trabalho: um para climatização e outro para renovação do ar. “Aparecem bolores nos novos edifícios porque os tornámos estanques”, um erro que o arquitecto, sócio do gabinete EME, da Marinha Grande, acredita que motiva o aparecimento de cada vez mais doenças respiratórias.

“Por lei, nas construções, tal como acontece com a eficácia energética, a renovação do ar é obrigatória, mas não é alvo de fiscalização.”

Tamanho das mesas das esplanadas poderá não ser suficiente para impedir contaminação

A prioridade, sublinha, é a energia porque é cara. “Quando aquecemos ou arrefecemos uma casa, não queremos perder a energia que temos lá dentro. Nos bares e cafés, não basta abrir janelas para haver renovação. É preciso controlar o que se está a fazer. Na Alemanha e França estas são questões obrigatórias”, resume Frederico Barosa.

“Caiu-se no erro de pensar que uma casa tem de ser hermética e que não respira, como um frigorífico. Tem de respirar e tem de ter ventilação, nem que sejam simples aberturas na caixilharia!”, diz Eduardo Rodrigues que explica que os problemas começam logo no momento de desenhar o projecto, nos promotores e fornecedores que, a maioria das vezes, não querem saber de aproveitamento de elementos naturais, motivados pela “moda arquitectónica” do momento e a partir de “projectos fotocopiados”.

“Num prazo mais curto, o ar condicionado acaba por ser o mais económico e o mais rápido de aplicar”, diz o arquitecto da 2L Arquitectos. “Há novos materiais mais eficientes, mas, infelizmente, por vezes, os empreiteiros não os sabem aplicar e preferem utilizar os convencionais, que conhecem melhor e com os quase sempre trabalharam”, afirma o também arquitecto Pedro Santos.

O que são 200 euros numa obra de 200 mil?
E há também uma alternativa designada “arquitectura bioclimática”.

Pode parecer um chavão moderno, mas a verdade é que praticada na Península Ibérica desde o tempo dos romanos e passa por tomar simples cuidados antes de se construir uma casa ou edifício de comércio, serviços ou infra-estrutura industrial.

Edifícios modernos, com muitas superfícies envidraçadas têm de utilizar ar condicionado

 

Verificar a exposição solar, escolher materiais adequados para a estrutura e isolamento ou colocar elementos arquitectónicos, que permitam algum tipo de controlo do ângulo de incidência do sol, como umas simples palas nos vãos, i.e. janelas, o que também irá reduzir o consumo energético em refrigeração.

É a climatização passiva, por oposição aos sistemas de climatização como o ar condicionado, cortinas de ar ou bombas de calor, que são climatização activa.

“Por exemplo, paredes de trompa acumulam o calor durante o dia e dissipam-no à noite. Ou como faziam os mouros, numa moradia ao criar-se um pátio interior, de preferência com um espelho de água, é possível direcionar o fluxo de ar, arrefecendo-o. Ou ainda criar um jardim de Inverno. São elementos que, hoje, se usam mais para embelezar do que para estabilizar a temperatura”, adianta Eduardo Rodrigues.

Já Pedro Santos, entende que a actual “arquitectura de caixas”, que está no topo das preferências, prescindiu dos tradicionais beirados, alpendres e de vários outros detalhes que não apenas embelezavam, como tinham um efeito de climatização.

“Nunca existiu uma preocupação verdadeira em melhorar o ambiente nos lares e locais de trabalho. Em Portugal, é oito ou 80”, sublinha e concorda que os sistemas de ar condicionado são uma solução rápida para um problema evitável com um estudo prévio. “Mas, pôr um aparelho de 200 euros por localização, numa obra de 200 mil é relativamente barato”, diz este arquitecto da Marinha Grande.

No entanto, nada substitui um projecto térmico bem executado e Pedro dá como exemplo de um sistema activo de climatização que não inclui

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