Viver

"Orpheu não acabou. Orpheu não pode acabar"

3 dez 2015 00:00

A Revista Trimestral de Literatura, como a Orpheu se anunciava nos primeiro anos de República, exerceu uma influência que se repercutiu ao longo de gerações pelo seu vanguardismo que inspirou a renovação da literatura em língua portuguesa.

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Jacinto Silva Duro

“Passam 80 anos da morte de Fernando Pessoa, esse monumento. Um monumento eterno erguido nas casas de todos nós. Pessoa nas pessoas em toda a parte”, escreveu na segunda-feira o escritor Valter Hugo Mãe, na data redonda do desaparecimento de Pessoa. Este sábado, dia 5, o Teatro Miguel Franco, em Leiria, receberá o Colóquio Internacional da celebração dos 100 anos da revista Orpheu, publicação onde o grande poeta do século XX português colaborou e através da qual deixou a sua marca na literatura e nos dois números – o terceiro foi cancelado devido a dificuldades de financiamento.

A Orpheu n.º1, para o trimestre de Janeiro-Março de 1915, foi lançada há 100 anos e os números dos dois primeiros trimestres daquele ano foram suficientes para marcar a alvorada do modernismo em Portugal. “Somos o assunto do dia em Lisboa”; sem exagero lho digo. O escândalo é enorme. Somos apontados na rua, e toda a gente — mesmo extra-literária — fala no Orpheu”, escrevia, Fernando Pessoa, que dirigiu em conjunto com o brasileiro Ronald de Carvalho o número 1, em carta endereçada a Côrtes-Rodrigues, acerca do primeiro número.

Nem tudo foram rosas. A crítica do seu tempo, dominada pelos velhos mestres de letras, foi demolidora mas isso não desmotivou os jovens que ficariam conhecidos como geração d'Orpheu. A imprensa da época, muito mais alerta para as questões culturais e do pensamento, do que os media actuais publicou várias notícias e críticas de primeira página, carregadas de comentários jocosos que ridicularizavam os jovens escritores, mimoseando-os com termos como “doidos varridos”. Os poemas 16, de Mário de Sá-Carneiro, e Ode Triunfal, de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, foram dos mais visados.

A publicação provocou um verdadeiro “escândalo”, entre as hostes de intelectuais da época. Porquê? Porque ousou apresentar práticas de escrita e correntes artísticas vanguardistas como o paulismo, interseccionismo, simultaneísmo, futurismo, sensacionismo. Daí que, passados estes cem anos, as palavras do ensaísta Eduardo Lourenço sobre os “hábitos alimentares” dos intelectuais nacionais façam, hoje, pleno sentido. “Somos uns grandes canibalistas da cultura”, escreveu, em 1961, ele que colaborou nos cinco números da revista Córnio, o equivalente da Orpheu, na segunda metade do século XX e para onde escreveram Delfim Santos, Nemésio, Jorge de Sena, João Pedro de Andrade, Vergílio Ferreira e outros autores do Portugal idiossincrático. Segundo Lourenço, os grandes vultos da cultura portuguesa da geração seguinte, foram sempre perseguidos pela geração anterior, desde Sá de Miranda. “Felizmente, com o 25 de Abril atingimos um patamar ético onde ninguém é perseguido, embora possa ser calado e silenciado por motivos económicos. Somos canibalistas da cultura, execrando, exorcizando os melhores de nós”, define o escritor Miguel Real.

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