Viver
Palavra de Honra | Acho sempre extraordinário a sensação de estar a viver algo novo
Marine Antunes, palestrante e escritora
- Já não há paciência ... para pessoas que, antes de falarem sobre qualquer assunto, colocam a mão ao peito e dizem "é só a minha opinião pessoal". Se sai dessa boca é porque é uma opinião. Fico sempre com a sensação que a pessoa já está a pedir desculpa antes de falar porque sabe que não vai ser bonito de ouvir "aquela opinião". Mas isto sou eu a falar e é só a minha opinião...
- Detesto... Quando o meu marido (e juro que já chorei com isto e, em minha defesa estava com o TPM), faz uma comida DELICIOSA, apresenta a sua obra-de-arte e antes de eu mergulhar para dentro do tacho e enquanto babo a toalha, anuncia: "Não tires muito que tem de dar para o almoço de amanhã".
- A ideia... De não decidir quem poderá ou não ir ao meu funeral, enerva-me profundamente. Tenho mesmo de deixar uma lista escrita e contratar um segurança, com ar de mauzão, para estar na porta da igreja a pedir nomes. É que quem não grama não deveria ter direito ao drama.
- Questiono-me se... seria um pior ser humano se não tivesse tido cancro. O que teria feito com a minha vida? Que profissão teria seguido? Não me imagino a fazer outra coisa que não isto de escrever e dar palestras motivacionais mas, sem cancro, qual seria o tema? Ter-me-ia debruçado nas gastrites? Seria feliz e viveria com sentido de missão?
- Adoro... Viver coisas pela primeira vez. Choro sempre. Recentemente, vi pela primeira vez uma ponte a levantar e chorei de emoção. Acho sempre extraordinário a sensação de estar a viver algo novo. Adoro perder-me numa rua onde estou pela primeira vez, conhecer um restaurante pela primeira vez. Só não adorei a minha primeira multa por ter estacionado num local proibido em frente à esquadra. É. Fiz isso.
- Lembro-me tantas vezes... Da minha viagem à Ásia. Eu e o meu marido estivemos 45 dias com a mochila às costas e juro que nunca fui tão feliz. Às vezes, viajo para lá quando o mundo aqui está chato. Lembro-me das paisagens da Tailândia e das osgas que me apareciam no banho. Viajo porque memorizei cada momento que vivi ali. Foi uma viagem de certa forma espiritual.
- Desejo secretamente...ter o meu próprio programa de televisão. Pronto, já disse. Nunca contei a ninguém - porque sei que é ilusório - mas foi um alívio assumir isto pela primeira vez. Sim, adorava viver essa experiência e tenho o sonho de ser apresentadora. Pumba, disse-o outra vez. Agora vou chorar.
- Tenho saudades... De nada. Desculpem. Não sou saudosista. Penso nos meus, revejo memórias mas acho sempre que sou mais feliz hoje que ontem. Sou assim desde que me conheço, uma adepta convicta do presente. Ah! Tenho saudades de ir ver o Porto ao estádio e de berrar até ficar rouca. Disso tenho muitas!
- O medo que tive... tive medo de voltar a ficar doente algumas vezes. Essa questão do medo da recaída lido com ela algumas vezes e, sinceramente, está tudo bem. Acho que esse medo ajuda-me a estar sempre na linha da prevenção, a não descurar dos exames nem de viajar e festejar cada coisa aparentemente insignificante. O medo também agita as águas.
- Sinto vergonha alheia... Quando as pessoas nos restaurantes não dizem se faz favor nem obrigado ao fazerem o seu pedido. Tenho uma franca vontade de emigrar e de, simultaneamente, bater na pessoa que o faz. A cordialidade e a educação são imprescindíveis e qualquer tipo de arrogância tira o apetite à menina.
- O futuro... não consigo visualizar. Sempre foi uma dificuldade minha ou, talvez, um dom. Vivo o presente com tanto afinco que não consigo projetar nada além da próxima semana. Posso dizer-vos que na próxima semana ambiciono comer sushi. Já é um excelente plano para o meu futuro.
- Se eu encontrar... a cura para a minha pronúncia carregada, acho que a escondo e não a uso. Durante anos desejei não ter estes "rrrrr" que se arrastam a cada palavra que usufrui dessa letra mágica. Esta minha forma de falar fez-me perder trabalhos e sofrer preconceito. Hoje, é a minha imagem de marca e adoro-a.
- Prometo... Nunca deixar que a minha essência mude, independentemente do rumo da minha vida. Sempre fui feliz. Com cancro, sem cancro, quando me morreram. Trabalho emocionalmente para não deixar de ser otimista e de amar a vida com profunda devoção. Prometo não perder a vontade de estar aqui. Ter sempre noção que o tempo é a maior dádiva.
- Tenho orgulho... No meu projeto cancro com humor. Criei-o em 2013 e trabalhei quase seis anos gratuitamente. Ofereci a minha palestra a associações, empresas, instituições, tudo para ganhar experiência e credibilidade. Sabia que um dia esse trabalho seria valorizado. Fiz centenas de ações, escrevi centenas de textos e, finalmente, ao quarto livro sinto que o meu trabalho começa a ser reconhecido. Sinto orgulho de nunca ter quebrado, desistido ou mudado de caminho.