Viver
Palavra de Honra | Se eu encontrar a fonte da eternidade, viro-lhe as costas
Cristina Vicente, artista
- Já não há paciência... para “reality shows” e sessões de “coaching” (e que me perdoe Hélia Correia pelos anglicanismos), feiras de vaidades, egos e umbigos dançantes, vozes da rádio de cana rachada, com péssima dicção e redução de sílabas nas palavras.
- Detesto... que completem as minhas frases quando falo, julgando que adivinham os meus pensamentos.
- A ideia... de um dia poder transformar a fotografia e a escrita em modo de vida será a minha constante quimera. Até lá, resta fotografar e escrever até que me doam os dedos e os pensamentos.
- Questiono-me se... alguma coisa terá mudado na Cultura desde que, irritada (qual é o espanto?), escrevi um texto em 2021 (Out), sendo este um excerto: É a carolice que assiste a Cultura, os artistas, o público e, esse vil valor atribuído ao que ela vale, é justo unicamente aos olhos dessa gente sábia de gabinete, que só se mostra com a Cultura na boca para o exibicionismo, ou para o que lhe convenha e fique bem no "show off" pretendido... O que nos aconteceu? Triste, triste, triste...
- Adoro... “as pulgas dos cães, todos os bichos do mato” e “efectivamente” brinco com a palavra adoro e com a banalização a que foi levada nos nossos dias. Quase tudo se resume a um veloz coração postado sem sentir…
- Lembro-me tantas vezes... da sensação de espanto que tive perante a liberdade sentida no início dos anos oitenta quando cheguei a Portugal; a passagem de uma grande, mas insegura metrópole (Caracas), para uma pacata vila do Baixo Vouga lagunar. Passar do transporte escolar para o colégio, sempre sob vigilância, para o percurso feito a pé de casa dos meus avós para o liceu, sem medo. A inocência nos seus melhores tempos…
- Desejo secretamente... encontrar uma garrafa de vidro à beira-mar com uma mensagem lá dentro: “Qual é o teu maior sonho? Fecha os olhos e pede-o com muita intensidade… ser-to-á concedido!” Mas, afinal qual é? Ah, isso agora…
- Tenho saudades... dos amanheceres fotográficos junto à Ria de Aveiro; sentir o silêncio a ser preenchido pela natureza palpitante e o céu agigantando-se nas tonalidades de fogo, antes do astro-rei. E como regressar a eles? Fácil, tirar o corpo da cama e ir…
- O medo que tive…de sair sozinha de um hospital em 2019.
- Sinto vergonha alheia... perante o abandono de idosos em hospitais e a indiferença do Estado para as necessidades mais básicas de apoio e de minimização da solidão. Transtorna- me; faz-me pensar: também serei idosa…
- O futuro... a deus pertence, dizem. E como fica o futuro dos descrentes?
- Se eu encontrar... a fonte da eternidade, viro-lhe as costas. Para sempre neste mundo? Não, muito obrigada. Mas pensando melhor, sempre posso guardar um frasquinho para as rugas.
- Prometo... nada prometer com receio de não cumprir. Porém, sei muito bem que continuarei a refilar e a franzir o sobrolho (daí dar muito jeito o tal frasquinho).
- Tenho orgulho... nos meus dois filhos, no projecto da Editora Minimalista, assim como nas pessoas de mãos abertas que amparam, de vozes francas que insistem, de olhares que emanam doçura, de gargalhadas contagiantes e salutares.