Sociedade

Quando a região foi “quartel-general” da oposição ao regime de Salazar

25 abr 2023 15:58

Na sessão solene do 25 de Abril, em Leiria, evocou-se o “relevante contributo” do distrito no combate à ditadura. Além das conquistas da Revolução, os representantes dos partidos deixaram alertas para as ameaças às democracias.

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Contributo "relevante" da região no combate à ditadura lembrado, em Leiria, na sessão solene do 25 de Abril
Ricardo Graça
Maria Anabela Silva

O “relevante contributo” do distrito para o 25 de Abril foi recordado por Aberto Costa, preso e exilado político durante a ditadura, durante a sessão solene do 49.º aniversário da Revolução dos Cravos, realizada em Leiria. O antigo ministro disse mesmo que “não se exagerava” quando se chegou a considerar a região como “o quartel-general da oposição”.

Leiria ficou associada a um relevante contributo para que o 25 de Abril fosse o que foi e tivesse o conteúdo que assumiu. E isso é parte impagável de uma memória democrática”, afirmou Alberto Costa, sublinhando que este foi dos poucos círculos eleitorais que, a partir de 1961, “não desperdiçaram nenhuma oportunidade para se erguer contra a ditadura”. “Fizeram-no apresentando candidaturas pró-democracia”, nas condições “mais adversas”, salientou, frisando que, na “dúzia de anos” que antecederam a revolução, houve uma fase em que, “por deliberação expressa”, “a coordenação nacional do movimento pela democracia se exerceu a partir de Leiria”, onde teve lugar “a maior parte dos encontros nacionais de oposição à ditadura”,

Alberto Costa recordou a importância da Plataforma de S. Pedro de Moel que, em 1969, juntou sectores da oposição democrática de todo o País, de onde saiu um documento que, à reivindicação da liberdade, “juntou o reconhecimento dos povos coloniais à auto-determinação.

Há que render tributo a todos aqueles homens e mulheres corajosos que, sob um regime opressivo, aqui fizeram a campanha pela democracia ao longo dos anos que antecederam o 25 de Abril, dando um enorme contributo, a começar pelo próprio nome”, defendeu o antigo governante, deixando um apelo para que, no âmbito das comemorações dos 50 anos da revolução seja feito um levantamento dessas pessoas “inscreverem neste território uma espécie de pré-história da democracia”.

 

Reforçar a “imunidade” da democracia

As conquistas de Abril, com a liberdade à cabeça, mas também o desenvolvimento que o País alcançou ao longo das últimas décadas, foram o traço comum aos discursos dos representantes dos partidos com assento na Assembleia Municipal (AM) de Leiria. As várias intervenções ficaram também marcadas por alertas às ameaças que hoje se colocam à democracia, como a corrupção, as desigualdades sociais, o populismo crescente e a falta de participação cívica e de confiança nas instituições.

A democracia também envelhece e está sujeita a novas patologias, a novas doenças” e, por isso, precisa de “reforçar a imunidade face às ameaças” e de “aprender com o passado, responder ao presente e relançar-se na construção dos caminhos de futuro”, afirmou o presidente da AM. António Sales reconheceu o “inegável” percurso de progresso feito deste o 25 de Abril, mas defendeu que “o caminho feito até aqui exige-nos ainda mais”, nomeadamente, “mais participação, mais envolvimento, debate, reflexão e acção, para gerar mais e melhor confiança, entre nós e com as instituições”.

Para o socialista, é também preciso “um novo compromisso individual e comunitário com a liberdade, o pluralismo, a democracia e o desenvolvimento”, para evitar que o definhar das democracias. “Tal como nascem, as democracias também morrem. E morrem muitas vezes também nas urnas, com políticos que são eleitos” e que “enfraquecem as instituições democráticas”.

Não podemos permitir que esta efeméride se reduza a uma espécie de prova de vida em que renovamos votos de fidelidade aos ideais democráticos”, reforçou, por seu lado, o presidente da câmara Apontado a democracia como“a conquista mais preciosa para o nosso país, Gonçalo Lopes lamentou que assistamos hoje,“de forma mais ou menos passiva, à erosão de um sistema que nos trouxe até aqui, a um ponto em que nos interrogamos se o caminho que estamos a trilhar nos tem vindo a afastar ou a aproximar do ponto de partida”.

 

Ameaças “emergentes” à democracia

Falando em nome da Iniciativa Liberal, Telmo Marques defendeu que a democracia “só pode florescer” se cada indivíduo “poder escolher livremente as suas crenças”. Alertou ainda para os “retrocessos recentes”, em áreas como a educação e a saúde e disse que “é tempo para mais transparência e mais sustentabilidade”,

Por seu lado, Manuel Lopes, da bancada do PCP, afirmou que “as políticas de direita destruíram e mutilaram muitas das conquistas e Abril” e que “é preciso cumprir Abril com políticas que assumam por inteiro” os seus ideais.

Em representação do CDS-PP, Dário Seguro Joaquim, alertou para os “perigos emergentes do totalitarismo, das autocracias e do populismo” e apontou as carências em áreas como a habitação, a educação e saúde e o combate à corrupção com alguns dos “desafios do regime”, assim coo a “falta de confiança entre eleitores e eleitos” e a tendência “centralizadora” da Administração Pública.

 

Que liberdade há na indignidade?”

Por seu lado, Frederico Portugal, que discursou em nome do Bloco de Esquerda, considerou que o processo de “transformação social” que resultou do 25 de Abril está hoje ameaçado pela “espiral inflaccionista” e pela especulação imobiliária, que fazem com que haja hoje “muitas pessoas com a corda ao pescoço”. “Temos em mãos uma catástrofe”, advertiu, questionando: “Que liberdade há na indignidade” ou na “incerteza de ter um tecto?”.

Em nome do Chega, Hugo Morgado chamou a atenção para a degradação de algumas das conquistas de Abril, como o SNS, para o “definhar da escola pública”, para a “promiscuidade endémica entre Justiça e poder político” e para os “sucessivos casos de corrupção, que passam completamente impunes”.

Alexandra Carvalho, da bancada do PSD, enumerou um conjunto de indicadores que demonstram a “clara” evolução que o País teve desde o 25 de Abril, mas considerou que “não podemos, de modo algum, estar satisfeitos”, porque “houve outros países que se desenvolveram muito mais do que nós” e porque subsistem “grandes assimetrias regionais”. “O País continua vítima de medidas avulsas”, disse, culpabilizando os governos do PS pela “perda de competitividade económica”, com política “inibidoras da iniciativa privada e pelo aumento da carga fiscal”.

Escolhido para falar em nome do PS, Ricardo Abreu considerou “imprescindível concretizar o projecto social que Abril inaugurou” e “mostrar aos jovens que a sua participação na sociedade faz sentido”. “Para os jovens, o 25 de Abril é uma dívida de gratidão e um estado de espírito. Abril precisa de ser continuado, para reforçar as suas conquistas”, afirmou, concluindo: “Nós, jovens, temos de ser guardiões de Abril”.