Sociedade
Sinal dos tempos, quando o Natal chega logo em Setembro
Iniciar mais cedo e alargar a duração das festividades é remédio para curar tristeza e frustrações da sociedade
Até a pessoa mais distraída já terá percebido que as empresas, o comércio e o marketing estão a antecipar a celebração do Natal.
Este ano, a partir do dia 15 de Setembro, havia já anúncios à época festiva.
Pouco menos de um mês depois, ainda com parte de Portugal na praia e de manga curta, a nova moda mundial, a Black Friday, anunciava reduções e oportunidades a apelar ao espírito consumista natalício.
E não nos podemos esquecer do elemento psicológico, já que antecipando e criando um ambiente festivo mais longo, pode ser reconfortante após a pandemia, a crise da inflação que se seguiu e das guerras que eclodem como cogumelos.
Poderemos concluir que as empresas estão a aplicar estratégias de marketing que se aproveitam e levam à alteração dos comportamentos e consumo?
“Após o fim da pandemia da Covid-19, quando ficámos fechados em casa durante meses, percebemos que queremos mais liberdade e convívio, em celebrações públicas. Os grandes festivais de Verão foram os primeiros a aproveitar esse sentimento e a amplificá-lo”, entende a especialista Ana Cadima Lisboa.
A investigadora e professora adjunta de Marketing, no Instituto Politécnico de Leiria, diz que o fenómeno está também muito presente, por exemplo, nas marcas de roupa, onde as diferenças entre estações estão, cada vez mais, “esbatidas”.
As marcas de fastfashion fazem pouca distinção entre a moda de Outono-Inverno e Primavera-Verão, ao contrário dos emblemas mais nobres e reputados. A mudança rápida de uma estação para a outra e o aparecimento constante de novidades ao longo do ano, permite uma grande rotatividade de colecções, quase obrigando o consumidor a estar sempre a mudar o guarda-roupa. “Existe um esbatimento”, reforça Ana Cadima Lisboa, sublinhando que não existe uma “alocação temporal tão nítida ou tão clara” quanto anteriormente.
“As vilas de Natal estão a começar já em Novembro”, exemplifica.
“As pessoas estão a decorar as suas casas mais cedo e a deixar as decorações até mais tarde. Parece que querem prolongar um pouco mais a magia, a sensação de conforto e de uma época feliz”, afirma.
Isto é, embora efémero e descartável, tudo é pensado para o impacto, ao contrário dos tempos anteriores, onde os valores não estavam alicerçados na espuma dos dias. Esta concepção alternativa da realidade instalou-se na mente de muitos e avança a passos largos para se tornar mainstream, contaminando a restante sociedade.
A mais alta árvore de Natal, o maior presépio, a cidade mais iluminada. O superlativo absoluto está sempre presente nos eventos que celebram o quase esquecido nascimento de Cristo, numa noite fria, numa manjedoura anónima e paupérrima em Belém.
As redes sociais também terão a sua quota de responsabilidade na criação do fenómeno.
A necessidade constante de criar novos conteúdos sedutores e virais, leva a que, no caso dos influenciadores que operam no Instagram, rede que capitaliza a aprovação através de gostos, comentários, seguidores e validação social, findo o Verão as atenções se foquem no Natal, mesmo que ainda faltem três meses até à grande “festa da família e da luz”.
Também aqui as marcas encontraram terreno fértil para promover os seus produtos.
“Como o público aumentou a sua resistência à publicidade nos momentos comerciais tradicionais em meios como a televisão, começou a emergir, cada vez mais, na componente do digital, o marketing de influência que apresenta pessoas que, aparentemente, nada têm a ver com as marcas ou organizações, mas que as experimentaram e apresentam-se como fontes mais credíveis”, explica a investigadora.
Daqui a encontrar milhares de fotografias e vídeos de outros milhares de anónimos influenciadores a promover aldeias do Pai Natal, ou o Natal perfeito lá em casa, com as prendas perfeitas, no cenário perfeito e árvores de Natal perfeita, foi um passo… perfeito.
Tristes e desiludidos, queremos que o Natal dure mais
E a nível psicológico? O que faz com que aceitemos tão despreocupadamente estas imposições?
Temos uma predisposição para isso.
“A antecipação de grandes celebrações, como o Natal, aumenta o sentimento colectivo de felicidade através da activação de dois principais circuitos de recompensa no cérebro: o circuito do ‘querer’, ou dopaminérgico/motivação, e o circuito do ‘gostar’, ou opióide/prazer.
Estes dois sistemas operam de forma complementar, proporcionando bem-estar antes e durante o evento”, explica o terapeuta das emoções Ricardo Cardoso.
A relação entre o sistema de recompensa e as luzes, as ofertas, a música e as festas activam diferentes áreas do cérebro associadas à felicidade, à conexão social e ao bem- -estar, faz notar este especialista.
Porquê? Porque enquanto sociedade, sublinha, sentimo-nos, de forma geral, tristes, pobres e frustados pelas perspectivas e sonhos de futuro.
“Vivemos tempos onde nos tornámos mais egocêntricos e presos aos nossos pensamentos, característica típica da tristeza. Este estado mental leva-nos à falta de motivação e quebra na produtividade, o que, por sua vez, contribui para a sensação generalizada de frustração e para a ‘pobreza emocional’.”
Para quebrar este círculo, Ricardo Cardoso prescreve a “aposta numa liderança empresarial mais sustentável e na implementação de medidas sociais que promovam a felicidade colectiva”.
Sem estas mudanças, a antecipação das festividades será cada vez mais precoce e frequente.”
Estaremos constantemente em festa para dar sentido e preencher o vazio existencial, espoletado por conceitos modernos “do dar tudo por tudo” e atingir o potencial pleno.
Ricardo Cardoso recentra a ideia de Natal: é, resumidamente, um jantar com a família que acontece quando o ser humano quiser.
“Se todos tivéssemos esta certeza, seríamos muito mais felizes e menos consumistas. A verdadeira fórmula da felicidade passa em muito por aquilo que cada um decide fazer à sua vida!”