Sociedade

Todas as paixões são arrebatadoras, mas algumas valem muito dinheiro

17 dez 2015 00:00

Gostos não se discutem e amores também não. Carros antigos, pássaros raros e vinhos famosos revelam a fronteira ténue onde o 'hobby' se torna investimento

Leiloeiras têm batido recordes com carros, relógios, discos, pintura
Leiloeiras têm batido recordes com carros, relógios, discos, pintura
Leiloeiras têm batido recordes com carros, relógios, discos, pintura

Há uma rotina a que João Carvalho Santos raramente falta: cuidar dos pássaros exóticos que vai produzindo em viveiros e que exporta com regularidade para a América do Sul.

A estrela da companhia é um periquito ring neck de tonalidades cinza, pelo qual já alguém ofereceu 15 mil euros. Mas cada exemplar vale o que o mercado paga e quase todos os fins-de-semana chegam a Leiria criadores estrangeiros interessados em conhecer mutações novas ou invulgares.

Desde que investiu as primeiras poupanças em psittaculas krameris da subespécie asiática, os chamados periquitos-de-colar, João Carvalho Santos passou a considerar-se um criador de aves, mais do que coleccionador. Isto porque persegue o objectivo de "desenvolver novas combinações", sobretudo de cor, inexistentes na natureza, em pássaros "com o porte e as características" do original, que é verde, explica o docente do ensino superior.

Trata-se de "um jogo de probabilidades", influenciado através da escolha dos acasalamentos e mantido sem artificialidades. Para reunir uma colecção semelhante é preciso procurar fora das lojas de animais.

Bélgica e Holanda constituem os mercados mais importantes na Europa. Além de procriarem cedo, os ring necks são resistentes. E permitem, "com poucos recursos financeiros e de know-how, atingir alguns objectivos relativamente depressa", afirma João Carvalho Santos, que possui 30 casais, mais 20 casais de catatuas e outras aves asiáticas.

O valor de cada pássaro neste circuito depende da raridade das mutações, que podem ser mais ou menos frequentes, conforme a área geográfica. Mas depende mais ainda da avaliação subjectiva que é feita entre as partes no momento do negócio.

América do Sul e Médio Oriente são mercados compradores e, segundo João Carvalho Santos, nem sequer é complicado atingir valores de exportação na casa dos 150 mil euros. Difícil pode ser encontrar um par de pássaros puros, para começar a actividade.

Vinhos que são tesouros
Uma das melhores cartas de bebidas em Portugal encontra-se num discreto restaurante à sombra do Mosteiro da Batalha. Quem o diz são os críticos da revista Vinhos, que atribuíram menção honrosa ao Burro Velho na edição 2015.

Entre outros, a lista inclui dois Douro Boys de 2011, tinto e Porto Vintage, marcados a 1.100 euros e 1.500 euros, respectivamente, preço de venda ao público. Mas a garrafeira de apoio ao negócio vai mais longe do que a montra da casa. É lá que moram os Barca Velha, os Pêra Manca, o Dows 2011 e o Criseia 2011, ambos seleccionados para a lista dos melhores do mundo pela Wine Spectator, e também a muito rara edição do Crasto Vinhas Velhas de 2011, em garrafa de 18 litros.

Custou 900 euros ao proprietário do estabelecimento, Bruno Monteiro, que está renitente em se desfazer dela. "Já me ofereceram três mil euros e eu não vendi. É uma relíquia", afirma. Para juntar tantos vinhos importantes, há vários factores a ter em conta. Os tintos, por exemplo, em geral valorizam mais do que os brancos, porque em princípio aguentam mais tempo engarrafafos.

Outros aspectos que inflaccionam o preço: o nome do enólogo, os prémios arrecadados em concursos internacionais, as críticas publicadas nas revistas e livros da especialidade.

E, claro, as pequenas produções de grande qualidade tendem a valorizar com os anos. Actualmente, o mercado em Portugal está também a ser influenciado pela procura com origem em Angola, China e Brasil, que contribui para encarecer as gamas mais altas.

"Tenho clientes que compram Barca Velha ao preço de carta, chegam ao Brasil, vendem a garrafa e com o lucro pagam o bilhete do avião", afirma Bruno Monteiro. Um fenómeno semelhante ocorre com os uísques velhos, que têm sido absorvidos pelas economias emergentes.

Rótulos como o Yamazaki, produzido no Japão, que até pouco tempo rodavam por 70 euros, podem hoje valer mais de 150, ao consumidor final. Mas não são só as marcas internacionais que valorizam, o mesmo acontece com as melhores colheitas nacionais.

Se oCriseia 2011 evoluiu de um preço corrente a rondar os 70 euros para perto dos 300, no caso dos Porto Vintage é frequente encarecerem três ou quatro vezes, ou mais, face à marcação inicial.

Bruno Monteiro é o primeiro a reconhecer que "não percebia nada de vinhos", mas foi resolvendo esta lacuna com muitas provas, visitas a quintas e leituras. "Cada vez mais aposto nos vinhos mais caros porque nunca perdem valor", explica o empresário, para quem ter "uma carta diferente", é a maior recompensa.

Carros ou obras de arte?
Carlos de Matos diz-se um "apaixonado por carros antigos", mais do que um investidor. Tem vários automóveis clássicos na garagem e costuma socorrer-se deles nas deslocações diárias, por exemplo, para levar os filhos à escola.

Na colecção há um carocha de 1952, que ganha o estatuto de mais idoso, mas a marca favorita do empresário de Leiria é a Porsche – porque foi Ferdinand Porsche a criar o primeiro carro para as massas na Alemanha, o popular carocha, da Volkswagen, e porque os primeiros modelos da marca Porsche usam turbinas de ar em vez de radiador, o que os torna mais leves e velozes.

Todas as paixões desencadeiam perguntas apaixonadas e Carlos de Matos tem várias. Por que motivo os automóveis antigos têm de ir todos os anos à inspecção? Por que faltam profissionais de mecânica e bate-chapas com conhecimento especializado? "O carro de colecção pode dar emprego a muita gente", garante.

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