Viver
Um corte de cabelo que mudou uma vida
Elisabete Maisão documenta quotidiano em todos os campos de refugiados europeus
Tudo começou com uma ida, em Setembro, à antiga casa de Amesterdão para ir buscar as roupas de Inverno que lá havia deixado, antes de se mudar para o calor tropical do Rio de Janeiro.
Enquanto estava na capital dos Países Baixos, a fotógrafa Elisabete Maisão juntou-se a um grupo de cabeleireiros voluntários que costuma trabalhar na Milão Fashion Week e em Nova Iorque e que pretendia oferecer cortes de cabelo aos refugiados de Calais, aos campos da “Selva” - The Jungle, como é conhecido localmente - e ao de Dunquerque.
“A situação dos refugiados incomodava- me e eu tinha de fazer algo”, conta. Seria uma acção de apenas quatro dias, com o HairCult Project.Pode não parecer, mas aparência é uma coisa quase tão importante, quanto a comida e a roupa”, explica.
Durante os dias da missão aproveitaria para fotografar o quotidiano dos migrantes e recolheria histórias com vista a um trabalho editorial futuro… mas, ao fim do tempo previsto, decidiu ficar um mês e depois mais outro. Agora, em Dezembro, Elisabete Maisão está na ilha de Lesbos, onde chegam todos os dias entre 600 a mil refugiados.
A próxima paragem será Atenas e outro campo de refugiados. Desde há quatro meses, esta fotógrafa com ligações a Leiria já esteve em quase todos os campos de refugiados na Europa. Foi à Eslovénia, onde a proibição de fotografar a levou a ser “criativa” para conseguir captar imagens.
Esteve na Sérvia e na Alemanha, país que vai acolher um milhão de pessoas e que não tem um único campo de refugiados. Por um lado, razões históricas impedem que a opinião pública germânica admita a existência de locais onde pessoas são concentradas em grande número e por outro, a eficácia teutónica trata de dar casa e cuidados aos refugiados assim que estes chegam.
Agora Elisabete Maisão está na Grécia, a poucos quilómetros da costa turca. É ali que muitos botes de borracha, apinhados de gentes e sonhos, chegam todos os dias. A vida na “Selva” A “Selva” de Calais, diz, tem piores condições que os campos na Grécia. Lama, tendas, frio de rachar agora que o Inverno se instalou no centro da Europa, e como é um campo apenas com homens de várias nacionalidades e culturas, há muitos conflitos entre eles.
“Porque o Governo francês não o pediu, não há grandes organizações, como a Cruz Vermelha ou a Unicef, a trabalhar. Apenas pequenas ONG apoiam quem ali está. A de Elisabete tinha 12 pessoas em Setembro e agora conta já com quase 200 voluntários. Na viagem que a levou à Grécia, o responsável da ONG (Organização Não Governamental), a que a fotógrafa está afecta, ficou com a missão de escrever sobre a experiência e as histórias das pessoas e Elisabete de captar as imagens.
Esperam publicar a experiência em jornais e revistas e depois escrever um livro. “Temos muitas, muitas histórias, como a de pessoas que estão há dois anos em Calais sem perder a esperança de passar para o outro lado da Mancha, ou a emoção de ver os barcos chegarem, com 30 ou 40 pessoas, às praias”, conta, recordando ainda o relato de um jovem afegão que fugiu do seu país, quando os talibã o chamaram para combater.
“Enviaram-lhe uma notificação, que ele trouxe para pedir o estatuto de refugiado. Nela ameaçavam-no de morte e a toda a família. Mais tarde ouvi a mesma história várias vezes de outros jovens e todos trazem esses bilhetes.”
Uma ida a Amesterdão e uma missão
Nasceu em Lisboa, estudou na Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha e viveu durante alguns anos em Leiria onde esteve à frente de dois estúdios de fotografia: Miomi e Nouvelle Photo, onde, entre outras coisas, se dedicou à fotografia de produto. Participou também no livro Sensibilidades 25, com 25 outros fotógrafos do distrito.
Em 2008, mudou-se para Amesterdão e, quatro anos depois, partiu para o Rio de Janeiro. Em 2014, regressou a Lisboa e foi de lá que, em Setembro, partiu para ir buscar as suas roupas de Inverno à capital holandesa. A decisão haveria de a levar a todos os campos de refugiados da Europa.
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