Opinião
2024: Um ano de rupturas e reinvenções
Na nossa região, a tensão entre a herança industrial e a exigência de uma transformação digital e verde tornou-se mais evidente do que nunca
O ano de 2024 assinalou uma reviravolta na forma como olhamos para os desafios e para as oportunidades da economia global. A nível internacional, os EUA e a China continuaram a disputar a dianteira tecnológica, sobretudo na inteligência artificial, na indústria dos semicondutores e na produção de energias renováveis.
A Europa, pelo contrário, permanece ausente desta liderança e o fosso tecnológico parece crescer a cada dia. Mais grave ainda, o nosso continente está a perder a posição de destaque numa das suas mais antigas bandeiras industriais (o setor automóvel), num retrocesso que considero já não ter volta.
O arranque da mobilidade elétrica, com a Tesla a consolidar a sua influência global e os competidores chineses a ganharem peso, expôs também a incapacidade europeia de atrair investimentos robustos para a produção de baterias. Um sinal crítico dessa estagnação foi a falência da Northvolt, que poderia ter servido de contraponto a gigantes como a CATL ou a BYD.
E enquanto o “Velho Continente” vacila, o novo presidente Trump, errático e disposto a favorecer bilionários tecnológicos como Elon Musk, abre caminho a uma provável guerra comercial, em rota de colisão com as regras europeias que visam regular o discurso e conter a concentração empresarial.
Neste contexto tumultuoso, Portugal regista um crescimento económico razoável, que, na prática, o faz convergir com a média europeia – impulsionado em parte pelas boas performances de outros países do sul do continente, outrora apelidados de “PIGS” (com Espanha e Grécia à cabeça).
Porém, a crise na habitação e a escassez de mão de obra especializada continuam a revelar fragilidades estruturais. Tal como em grande parte da Europa, há um aumento de movimentos de extrema-direita que recusam soluções migratórias, sem perceberem que o declínio populacional ameaça a sustentabilidade económica e social do país.
A ideia de que se pode impulsionar os salários apenas restringindo a imigração ignora o facto de que os bens e serviços transacionáveis têm um teto muito definido de custo de mão de obra – algo que a maioria dos eleitores, sem formação económica sólida, não compreende. E Leiria, polo industrial de referência para o país, não escapou a este turbilhão.
A indústria de moldes, há décadas um motor de exportações, enfrenta a necessidade urgente de adotar a Indústria 4.0 – robótica, análise de dados e manufatura aditiva – sob pena de perder competitividade perante concorrentes europeus e asiáticos cada vez mais ágeis. Esta encruzilhada torna-se ainda mais premente num cenário de declínio da cadeia de valor automóvel, tradicional destino de grande parte da produção local.
Na nossa região, a tensão entre a herança industrial e a exigência de uma transformação digital e verde tornou-se mais evidente do que nunca – sendo a Startup Leiria um ator fundamental nesta transformação. 2025 terá de ser um ano de decisões corajosas na Europa - face à Ucrânia, aos EUA, ao processo industrial.
Se o fizermos, talvez possamos olhar para trás, daqui a dez anos, e ver em 2024 não apenas mais um momento de promessas goradas, mas o arranque de uma década de inovação e de crescimento sustentável.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990