Opinião
A nova geopolítica comercial
O Ocidente, outrora o defensor mais fervoroso da globalização, agora recua, enquanto a China avança
No chamado “Sul Global” (termo que se refere aos países em desenvolvimento, principalmente na América Latina, África e Ásia, destacando as diferenças económicas, políticas e sociais em relação ao “Norte Global”), podemos encontrar cidades modernas, cosmopolitas, sejam elas Lima, Nairobi, São Paulo, Banguecoque ou Santiago.
Estas cidades são em muito semelhantes a outras capitais mundiais, mas um olhar mais atento aos carros, telemóveis ou eletrodomésticos à nossa volta quando as visitamos poderão quebrar a familiaridade com o contexto europeu.
Marcas chinesas como a Chery, a BYD e a Great Wall têm uma quota de mercado muito relevante (e crescente), oferecendo veículos que combinam tecnologia avançada com preços acessíveis, mesmo que as marcas coreanas e japonesas continuem a ter forte popularidade.
Já as marcas europeias e americanas estão cada vez menos presentes – com os esperados impactos indiretos na indústria nacional e, em particular, na indústria de Leiria. Esta ofensiva reflete-se não apenas nos carros, mas também na proliferação de smartphones chineses na região, liderada por gigantes como a Xiaomi, a Huawei (proibida no ocidente, mas com imensa expressão no sul global) e a Oppo, que oferecem dispositivos de alta qualidade a preços competitivos.
Durante décadas, o Ocidente reinou no comércio global, impulsionado por multinacionais dos EUA, Europa e Japão. No entanto, essa hegemonia é hoje desafiada pelas empresas chinesas, que estão a expandir as suas operações para além das fronteiras nacionais e a penetrar nos mercados emergentes do Sul Global, a uma velocidade surpreendente – quer produzindo (a China expandiu as suas cadeias de valor, com o investimento direto a triplicar para 160 mil milhões de dólares em 2023, contruindo fábricas de Marrocos à Malásia), quer vendendo (as vendas das empresas chinesas ultrapassaram, no Sul Global, os 800 mil milhões de dólares, superando as vendas dessas empresas nos países desenvolvidos).
Este avanço chinês não é acidental, mas sim o resultado de políticas bem orquestradas. À medida que os países ricos ergueram barreiras comerciais para proteger as suas indústrias, a China intensificou as suas relações com o Sul Global. Este movimento aproxima os países em desenvolvimento da China, enquanto o Ocidente se isola cada vez mais.
O Ocidente, outrora o defensor mais fervoroso da globalização, agora recua, enquanto a China avança – a história diz-nos que raramente o protecionismo cego é uma boa política económica. Esta mudança traz oportunidades e desafios para todos os envolvidos, mas uma coisa é certa, o mundo não está a parar, e aqueles que melhor se adaptarem a esta nova realidade serão os que colherão os frutos no futuro.
A expansão das marcas chinesas na América Latina e outras regiões do Sul Global é apenas o começo de uma transformação profunda que promete reconfigurar o mapa económico global nos próximos anos.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990